30.09.24 | Mundo
“Ataque a Hezbollah era necessário para conter ameaça”
Editorial de O Globo deste domingo (29) afirma que “atacar alvos do Hezbollah em solo libanês foi uma medida necessária diante dos riscos que corria, mas Israel sabe que a ação pode aprofundar uma guerra de custo elevadíssimo para sua própria população. A reação do Irã até o momento é incerta”. Segue a íntegra do texto:
Horas depois do monstruoso ataque terrorista do grupo palestino Hamas em 7 de outubro do ano passado, quando nem se sabia ao certo quantas centenas de pessoas haviam sido massacradas, sequestradas ou abusadas sexualmente, o grupo xiita libanês Hezbollah — responsável por dezenas de atentados terroristas em vários continentes, inclusive na América Latina – começou a bombardear o norte de Israel de suas bases no sul do Líbano. Foram lançados desde então mais de 10 mil foguetes, forçando o êxodo de 67.500 habitantes da região. Foi esse o motivo para Israel atacar o Líbano nas últimas semanas, começando com a explosão sincronizada de perto de 3 milhares de pagers usados para comunicação entre integrantes do Hezbollah e culminando com a morte de seu líder, Hassan Nasrallah, atingido por um ataque em Beirute enquanto participava de uma reunião no subsolo de um prédio residencial na sexta-feira.
A ofensiva israelense deixou milhares de feridos e centenas de mortos, entre eles as principais lideranças do Hezbollah, representantes do governo iraniano e, lamentavelmente, civis inocentes, inclusive dois brasileiros. Ao contrário de Israel, que dispõe de um sofisticado sistema de defesa antiaéreo capaz de interceptar mísseis e foguetes ainda no ar — testado em seu limite por um ataque iraniano meses atrás —, o Hezbollah opera, a exemplo de seu congênere Hamas, infiltrado na população civil libanesa, usada como escudo humano para dissuadir ataques. Só que o Hezbollah é mais sofisticado e poderoso que o Hamas. Seu arsenal, estimado entre 150 mil e 200 mil foguetes, lhe confere dez vezes o poder de fogo do grupo palestino. O Hezbollah também é dependente militar e financeiramente de Teerã, mas os vínculos são mais fortes. Como o Irã, professa a vertente mais extremista do fundamentalismo xiita, almeja a destruição de Israel e está em conflito aberto com os valores (e países) ocidentais há décadas. O Hezbollah usufrui um status especial no Líbano, que lhe permite, ao mesmo tempo, manter representação política e uma milícia própria, além de comandar bancos, fornecimento de energia e um sistema econômico paralelo.
Atacar alvos do Hezbollah em solo libanês foi uma medida necessária diante dos riscos que corria, mas Israel sabe que a ação pode aprofundar uma guerra de custo elevadíssimo para sua própria população. A reação do Irã até o momento é incerta. Perto de completar um ano dos ataques do Hamas, a vitória israelense completa, com aniquilação total de Hamas e Hezbollah, continua uma promessa distante — realisticamente já seria uma grande vitória deixar em ruínas o poder de fogo de seus adversários. Um ataque iraniano a Israel poderia transformar o conflito localizado numa guerra de alcance global — e isso não interessa a ninguém.
Em sua manifestação de apoio a Israel depois da morte de Nasrallah, o presidente americano, Joe Biden, conclamou as partes envolvidas a investir nos esforços diplomáticos para chegar a acordos de cessar-fogo, tanto em Gaza quanto no Líbano. É difícil alcançar uma solução que satisfaça a todos os requisitos para a segurança das populações civis. Mas Biden tem razão em dizer que, uma vez contida a ameaça iminente dos grupos extremistas, é preferível o cessar-fogo à guerra que perdure. Nas suas próprias palavras: “É hora de esses acordos serem fechados, de as ameaças a Israel serem removidas e de a região do Oriente Médio como um todo alcançar maior estabilidade”.