02.10.24 | Judaicas
“O Ano Novo Judaico – Há razões para manter a Esperança?”
Em artigo no JC Online, o professor e coordenador de comunicação da Federação Israelita de Pernambuco, Jáder Tachlitsky, comenta a chegada do ano novo judaico, nesta quarta (2), e destaca a esperança em dias melhores, lembrando uma das mais conhecidas orações judaicas o “Ossê Shalom” diz: “Aquele que estabelece a paz nas alturas celestiais faça vir a paz sobre nós, sobre todo o povo de Israel e sobre toda a humanidade, e digamos Amén”. Segue a íntegra do artigo:
Ao anoitecer de 02 de outubro, será o primeiro dia do mês de Tishrê e terá início o ano de 5785 do calendário judaico. É denominado de Rosh Hashaná
É denominado de Rosh Hashaná (literalmente, cabeça do ano). Um momento de muita reflexão, balanço da vida, arrependimento e perdão. E reconstrução de laços e condutas.
Inicia-se uma contagem de dez dias que culmina no Yom Kipur, Dia do Perdão, data magna da fé judaica.
É também tempo de esperança, de congraçamento, de otimismo, tão próprio do caráter do povo judeu.
Mas há neste momento razões para nutrir esses sentimentos?
Há quase um ano, no fatídico 07 de outubro, Israel foi vítima do maior atentado terrorista proporcional da história, em pleno feriado sagrado da festividade de Simchat Torá (Alegria da Torá).
Teve seu território invadido pelo grupo Hamas. Milhares de terroristas entraram no país com o único objetivo de ceifar vidas inocentes. Não importava se eram homens, mulheres, idosos, crianças ou mesmo bebês. Bastava que fossem israelenses, preferencialmente de origem judaica, mas podiam também ser árabes, cristãos ou muçulmanos, que fossem encontrados no caminho. Podiam ser estrangeiros que se tornavam automaticamente alvos “legítimos” da sanha assassina.
Não bastava apenas matar, precisava ser com requintes de crueldade. Algo que deveria enojar qualquer pessoa revestida de um mínimo de humanidade.
Cerca de mil e duzentos mortos, duas centenas e meia de sequestrados.
E veio a reação israelense. E junto com ela afloraram os piores instintos antissemitas. Régua distinta para julgar a ação judaica, das que usualmente são usadas para medir a ação de outros povos, de outros países.
O Judaísmo possui como premissa a busca permanente da paz. Shalom, a palavra hebraica que a designa, é forma de cumprimento entre as pessoas: “Shalom Aleichem (paz para vocês), similar ao Saalam Aleikum do árabe.
Uma das mais conhecidas orações judaicas o “Ossê Shalom” diz: “Aquele que estabelece a paz nas alturas celestiais faça vir a paz sobre nós, sobre todo o povo de Israel e sobre toda a humanidade, e digamos Amén”.
A Tzedaká, o compromisso com a busca da justiça social, é outro pilar judaico. A obrigação moral de trabalhar na construção de uma sociedade que dignifique todos os seres humanos.
O Tikun Olam (conserto do mundo), é o conceito de que vivemos num planeta desajustado e que somos parceiros do Criador na reparação de nossa morada coletiva. Que precisamos nos irmanar na busca desse caminho.
A tudo isso se agrega o otimismo. Uma profunda crença que sempre iremos progredir como seres humanos e que seremos capazes de protagonizar todas as mudanças necessárias.
Mas como praticar todos esses conceitos diante daqueles que renegam o direito à liberdade do outro? Que acreditam possuir o monopólio da verdade, que não respeitam a fé alheia e querem impor suas convicções a ferro e fogo.
Ao longo da história, o povo judeu foi alvo de discriminação, perseguições, massacres. Que culminaram num passado muito próximo com o genocídio nazista. A morte industrializada de seis milhões de judeus. Um milhão e meio de crianças.
Para cada momento trágico foi um povo que teve a resiliência de se erguer dos cacos e avançar na construção de sua cultura e dos seus feitos.
Há setenta e seis anos retornou ao seu legítimo direito de ser parte da comunidade das nações.
E espera, pacientemente, ter esse direito plenamente reconhecido.
O atual conflito do Oriente Médio reacendeu um sentimento antijudaico, construído em cima de distorções e preconceitos. A resiliência judaica, mundo afora, e particularmente dentro do Estado de Israel, é novamente colocada à prova.
Estamos às portas de um novo ano judaico. Ao longo de todo o mês de Elul, o último mês do calendário judaico, o toque do Shofar (chifre de carneiro) ressoa nas sinagogas chamando às pessoas à reflexão e a reafirmação de seus compromissos.
Não foi um ano fácil. A dor e a tristeza acumularam-se no âmago das pessoas. As portas da desesperança abriram-se permanentemente convidando-as a desistir.
Mas o espírito judaico, mais uma vez, mantém-se firme. Convida a humanidade ao diálogo. Reafirma seus princípios e convicções, bem como suas dúvidas.
O povo judeu é conhecido como o “povo do livro”. O legítimo direito a autodefesa obrigou esse povo a pegar em armas. Que o futuro breve permita que os livros preponderem sobre as armas.
Mais um ano se iniciará e as orações continuarão a ser proferidas, os cânticos ressoarão, os campos serão ceifados, a roda da vida continuará a pulsar.
E continuaremos trabalhando pela paz e pela harmonia entre os povos. E ensinaremos a nossos filhos a essência de nossa fé. Que há lugar no mundo para toda a diversidade da criação.
Um dia ainda há de se construir um mundo de paz!
Shaná Tová Umetuká Alenu veal Kol Haolam! (um ano bom e doce para nós e para toda a humanidade).
Jáder Tachlitsky é economista, professor de Cultura Judaica e História Judaica e coordenador de comunicação da Federação Israelita de Pernambuco