15.10.24 | Notícias

"Licitações públicas e antissemitismo"

Em artigo publicado no blog 'Fumus Boni Iuris', no portal oglobo.com, na última quinta-feira (10), o presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, Bruno Feigelson. critica atitude do governo brasileiro de recusar negociar com empresa israelense que venceu concorrência pública para fornecer equipamentos ao Ministério da Defesa. Segue a íntegra:   

Defesa é fundamental à soberania do país. E uma empresa israelense venceu uma concorrência para fornecimento de insumos ao Ministério da Defesa do Brasil. No entanto, até o momento, não prosperou a compra porque a empresa foi vetada sem justificativa plausível. Isso é desarrazoado, fere a Lei de Licitações e a Constituição Federal, também as relações diplomáticas entre Brasil e Israel.

A licitação pública é o procedimento formal pelo qual o governo compra e contrata bens e serviços, objetivando que, ao final do seu processo, não haja corrupção. Ao Estado cabe fazer suas aquisições com probidade (sem favorecer ou desfavorecer). Os princípios a serem atendidos estão expressos na lei: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Tudo para que vença a proposta mais vantajosa ao interesse público e os recursos sejam diligentemente aplicados.

Portanto, não pode pairar qualquer dúvida sobre se houve discriminação, de qualquer natureza, aos concorrentes. Mas aqui está esse caso de uma empresa israelense cuja participação na concorrência foi vetada a partir de argumentos subjetivos e que sugerem antissemitismo.

Ressaltamos que a Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) estabelece a igualdade de condições entre todos os participantes. Se decisões são tomadas com base em preconceitos — sejam eles religiosos, raciais ou ideológicos —, evidentemente, a credibilidade dos processos públicos fica comprometida.

Logo agora, quando há aumento do antissemitismo no país, em decorrência dos ataques terroristas do Hamas contra Israel e da guerra deflagrada no Oriente Médio, por essa razão, percebemos essa denúncia como algo inaceitável e ofensivo ao Estado de Israel e aos judeus.

Há um conflito de ordem legal, pois é ferida a Constituição de 1988. Desconsidera-se o interesse do Estado brasileiro. Atropela-se o direito de uma empresa administrada por judeus, e isso remete a racismo, mais uma lei vigente no país que é desrespeitada.

É uma situação que expõe o governo brasileiro em vários aspectos e é totalmente inadmissível que se arraste sem uma solução transparente e que atenda os preceitos de legalidade e constitucionalidade aqui mencionados.

Vamos acompanhar esse processo e, se restar comprovada a denúncia de antissemitismo, com flagrantes violações à Lei de Licitações, à Lei do Racismo e às normas constitucionais brasileiras, inclusive com ofensa a direitos fundamentais dos empresários judeus, certamente, deveremos agir na defesa dos interesses que representamos (os da comunidade judaica), em favor de que sejam respeitados os interesses do Estado brasileiro, as relações diplomáticas Brasil-Israel e em última instância, mas de fundamental importância, os direitos dos judeus enquanto cidadãos.

A Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj) não ficará inerte porque o interesse objetivo da empresa é um e que ela lute por eles; o papel da Fierj é outro: o de assegurar que judeus não serão discriminados. Exerceremos esse papel, como temos feito historicamente.

Há um aspecto dúplice a se considerar: a violação da isonomia nas licitações (ou direcionamento dela) e o componente racista do fato.

Se ficar comprovada essa situação, subverteu-se o processo licitatório e, adicionalmente, o respeito a valores essenciais e que deveriam ser universais, tais como: não discriminar pessoas por motivos religiosos, ideológicos ou de origem nacional, o que fere a essência do Estado Democrático de Direito e o Objetivo Fundamental do Brasil (Constituição, art. 3º, IV).

A Constituição Federal de 1988 condena o racismo. Indubitavelmente, o antissemitismo é uma forma desse crime, o que implica sua intolerância absoluta na legislação brasileira. Qualquer decisão administrativa pautada por preconceito contra indivíduos ou grupos de uma determinada origem étnica ou religiosa viola os direitos fundamentais e afronta os princípios que regem a administração pública já mencionados e acentuamos, especialmente, a impessoalidade.

Tal atitude remete a práticas sombrias da história mundial, como o boicote aos judeus promovido pelo regime nazista na Alemanha. Nos anos 1930, o governo nazista implementou políticas de segregação e discriminação sistemática contra judeus e bloqueou a participação em atividades econômicas. A tentativa de marginalização e exclusão dos judeus do mercado foi um dos primeiros passos no caminho para a brutalidade do Holocausto.

Embora o contexto atual seja diferente, não toleraremos qualquer tipo de discriminação, mesmo velada ou disfarçada, sob pretextos ideológicos, que possa permear decisões de Estado. O veto a uma licitação pública, simplesmente pelo fato de a vencedora ser uma empresa de Israel, suscita um alerta grave para as autoridades e evoca nosso direito de acionar a Justiça.

Como a legislação brasileira proíbe categoricamente qualquer forma de discriminação, e o princípio da impessoalidade exige que decisões administrativas sejam tomadas com base em critérios técnicos e objetivos, livre de qualquer influência ideológica ou preconceituosa, agentes públicos que adotarem esse tipo de conduta comprometem a eficiência da administração pública, afastam o investimento estrangeiro e enfraquecem as relações internacionais do Brasil.

Israel é um parceiro estratégico do Brasil em áreas tecnológicas e de segurança, estabelecido em relações bilaterais. Ignorar ou prejudicar essa relação por motivos discriminatórios não apenas afetará negativamente os interesses do Brasil, mas também refletirá mal na postura internacional do país.

A sociedade brasileira, plural e inclusiva, não pode tolerar que atos discriminatórios sejam cometidos em nome do Estado. A memória histórica nos alerta sobre os perigos de abrirmos precedentes para a discriminação. O boicote aos judeus, promovido pelo regime nazista, foi uma das primeiras etapas de um processo genocida que devastou milhões de vidas.

Aprendemos que o caminho para a intolerância começa com pequenos atos de exclusão e discriminação. Assim, não podemos permitir que essas sementes sejam plantadas novamente, de nenhuma forma, em nenhuma esfera da administração pública.

A igualdade de condições nas licitações públicas, o respeito às diferenças e a promoção da diversidade são pilares de uma sociedade justa e democrática. Cabe às instituições brasileiras manterem-se vigilantes e firmes na defesa desses valores, garantindo que o Estado permaneça imune a influências ideológicas que alimentem o preconceito ou a discriminação.

*Bruno Feigelson é presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro


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