14.11.24 | Mundo

“Velho ódio, novas vítimas”

Editorial de O Estado de S. Paulo desta terça-feira (12) afirma que o 'pogrom' em Amsterdã “é um alerta a quem subestima a virulência do antissemitismo”. Segue a íntegra do texto:

É um novo capítulo de uma velha história. O ódio ancestral aos judeus se manifesta com faces novas e mais virulentas.

Na quinta-feira passada, torcedores do time de futebol israelense Maccabi Tel Aviv foram perseguidos e agredidos nas ruas de Amsterdã. Pelo menos 30 pessoas foram feridas e 5 hospitalizadas. Um vídeo filmado de dentro de um carro mostra um pedestre sendo atropelado na calçada, enquanto uma voz grita: “Passa por cima!”. Outro mostra um homem oferecendo dinheiro aos agressores, que gritam: “Liberte a Palestina!”.

“Ontem houve uma explosão de antissemitismo, do tipo que esperávamos não ver de novo em Amsterdã”, disse a prefeita Femke Halsema. “Entre os cidadãos judeus de Amsterdã há medo, desalento, raiva e descrença.” O  pogrom  aconteceu na véspera do aniversário da Noite dos Cristais, quando os nazistas alemães agrediram judeus e vandalizaram suas propriedades na Alemanha, na Áustria ocupada e na região dos Sudetos. Agora, os judeus voltam a ser perseguidos na cidade onde Anne Frank se escondeu dos nazistas.

Em maio, segundo a Liga Anti-Difamação, uma organização independente, os incidentes antissemitas no Reino Unido já tinham crescido de 1.662 para 4.103 em um ano; na Alemanha, de 2.639 para 3.614; na França, que abriga a maior comunidade de judeus da Europa, quadruplicaram, de 436 para 1.676. Desde 7 de outubro de 2023, foram 10 mil nos EUA, um aumento de 200% em comparação com o ano anterior, e o pico da série histórica iniciada em 1979. Para ter uma ideia, em 2013 foram 751.

O antissemitismo explodiu após o 7 de Outubro, mas já vinha crescendo  pari passu  com a metástase de uma cultura iliberal, marcada, à direita, pelo nativismo, xenofobia e teorias conspiratórias, e, à esquerda, por uma visão maniqueísta que divide o mundo entre opressores e oprimidos e transformaram Israel em epítome do “colonialismo”.

Analistas bem-intencionados buscam diferenciar o “antissemitismo” do “antissionismo”. Na verdade, as críticas às reações desproporcionais de Israel em Gaza ou às políticas de assentamento na Cisjordânia são legítimas. Mas há uma onda de agressões nas ruas, nos campi ou nas redes sociais atropelam essas sutilezas, exaltando terroristas e conclamando a erradicação de Israel. Não restam chefes de Estado – como o presidente Lula da Silva – que repetem acusações manifestamente falsas (que precedem a guerra em Gaza) de “genocídio”. O fanatismo anti-Israel, que nos EUA é mais restrito às elites acadêmicas progressistas, por vezes assume proporções explosivas nas ruas das cidades europeias que, a despeito da sombria ocupação nazista no passado, voltam a testemunhar agressões aos judeus com frequência espantosa.

O judaísmo é muitas vezes visto como uma religião conservadora, mas no passado foi o portador de ideias revolucionárias, como o monoteísmo, liberdades civis, a educação generalizada ou questionamentos incluídos às autoridades. São valores que estão na raiz da experiência democrática moderna, e não surpreende que os judeus tenham sido tantas vezes perseguidos por tiranos e obscurantistas. O mundo está perdendo uma batalha contra o antissemitismo, mas perderá a batalha pela democracia.


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