13.04.23 | Brasil
“Competir em maratonas me deu uma estrutura muito forte na vida; aprendi a não desistir de meus objetivos”, diz Miriam Vasserman
Formada em economia na PUC e em administração na GV, a vice-presidente da Federação Israelita de São Paulo (Fisesp), Miriam Vasserman, fala à CONIB sobre sua trajetória na vida comunitária, a proximidade com o rabino Henry Sobel, a criação do Grupo de Empoderamento e Liderança Feminina e suas outras áreas de atuação na federação e deixa uma mensagem de força aos jovens, em especial, citando a sua participação em maratonas: “O foco, a persistência e a concentração são fundamentais em tudo o que fazemos. É importante não desistir diante de dificuldades e seguir na trilha escolhida para alcançarmos nosso objetivo”.
Origem
Todo mundo têm uma história interessante para contar e o que nos diferencia, entre outros fatores, é a nossa origem, a nossa ascendência. A minha é mais germânica. Meus avós maternos vieram da Alemanha e foram viver no Rio de Janeiro. Por isso digo que sou metade carioca. Meu pai é paulista e minha mãe carioca. Minha avó paterna era austríaca e meu avô polonês. Todos vieram (para o Brasil) mais ou menos na mesma época, que foi no período anterior à Segunda Guerra. Eles não passaram por campos (de concentração), mas deixaram na Europa parentes que sofreram na guerra. Meus pais já são brasileiros.
Foi na minha infância, da qual tenho muita saudade, que peguei o ‘bichinho comunitário’. Mas não estudei em escola judaica, e isso não é um orgulho. Meus pais sempre diziam que a melhor escola é aquela do lado de casa. Então como eu morava perto do Mackenzie, fui estudar lá. Meu pai também foi mackenzista, estudou e fez faculdade lá. Então todos nós fomos mackenzistas. Depois, fui estudar economia e administração na PUC e GV, Essa foi a minha formação básica.
Mas, em paralelo, frequentei a CIP desde criança, afinal foram os alemães que fizeram essa instituição nos anos de 1930. Fiz parte dos movimentos juvenis e estou na CIP até hoje. Comecei a frequentar numa época em que os jovens faziam educação judaica. Eram sete anos de estudo fora do horário escolar. E eu ficava duas vezes por semana durante quatro horas fazendo o ensino religioso na CIP. Tudo isso me deu muita base, assim como as colônias de férias e os movimentos juvenis.
Atuação comunitária
Comecei a atuar na comunidade muito em função do rabino (Henry) Sobel. Ele fez parte da história da minha família, Morei por muitos anos em Nova York, com meu marido e meus filhos. Lá, meus filhos fizeram faculdade e ainda tenho uma filha que mora na cidade. Ela se casou e tem filhos lá. Por isso, estou sempre indo e vindo de lá. E tanto São Paulo como Nova York têm muita vida judaica. Em Nova York, durante as grandes festas as ruas chegam a ficar vazias. E, a convite do Sobel, passei a atuar voluntariamente tanto na CIP como numa congregação de lá, nas áreas de comunicação, marketing e sobre como envolver a comunidade. Na CIP fui convidada a trabalhar em todas as diretorias: juventude, culto, fui vice-presidente na gestão da Dora Brener. E ainda hoje, continuo atuando no Conselho da CIP.
A Federação foi uma novidade para mim, já que, antes, eu atuava como empresária de eventos corporativos. E fiz grandes eventos, tanto na comunidade como fora dela. Fui convidada pelo Luiz Kignel, em 2008, no início de sua gestão e Ricardo Berkiensztat e Gabi Milewski me sugeriram fazer um grande evento para mulheres. E, como o assunto mulher está em voga, a proposta chegou no momento certo.
Quando entrei na sala de reunião da Fisesp vi paredes cheias de fotos de homens, mas achei uma da Vera Bobrow, que me chamou atenção. Questionei essa desproporção, mas se não fossem esses homens (Kignel, Ricardo e Gabi), não teríamos hoje o Grupo de Empoderamento e Liderança Feminina, que está crescendo e que me dá muito orgulho. E quando me deparei com o leque de possibilidades que se abriam – a Fisesp tem cerca de 60 instituições filiadas – vi que tinha a oportunidade de trazer um universo muito maior e mais representativo. E foi, assim, entrando em contato com os presidentes das instituições, das maiores e das menores, que o grupo foi crescendo. E quando eu disse, numa assembleia da federação, na presença de representantes dessas entidades, que precisava de mulheres para trabalhar comigo, imediatamente se candidataram várias voluntárias. Minha ressalva era apenas a de que essas pessoas tivessem poder de decisão nas suas respectivas entidades.
Então começamos com um grupo de umas 20 mulheres e hoje contamos com cerca de 300 envolvidas. Já trouxemos em nossos encontros Mulheres de Ação pessoas que se destacam em diferentes áreas (economia, direito, empresarial), como a Luíza Trajano.
Grupo de acolhimento
E foi num desses primeiros encontros, com a Luíza Trajano, que tivemos um momento inesperado, quando se apresentou uma mulher, muito bonita e de uma classe social alta, dizendo que sofreu violência doméstica durante sete anos por parte do marido. E ela contou detalhes de como teve que se afastar da família até entender que estava num relacionamento abusivo. A revelação nos impactou a todas e saí do encontro com a certeza de que precisávamos fazer alguma coisa para ajudar mulheres nessa situação. E foi assim que nasceu o grupo de acolhimento a mulheres vitimas de violência doméstica, coordenado por Patricia Levy. Atualmente temos a campanha Violência Doméstica também é um Assunto Judaico, que convida mulheres nessa situação a se manifestar e pedir ajuda através de uma ligação – há uma placa em banheiros femininos de instituições com o número de um telefone para receber esse tipo de pedido de ajuda. Isso gerou um grande movimento dentro da comunidade e tivemos ligações de mulheres judias de diferentes linhas religiosas, tanto as liberais como as mais ortodoxas. Temos 20 voluntárias que atendem de domingo a domingo, exceto no shabat. Elas atendem por telefone, email e whatsap. Para esses atendimentos também contamos com um grupo multidisciplinar, formado por psicólogos, psiquiatras, médicos, advogados e instituições que participam conosco dessa missão, como a Unibes, na parte de assistência social, o Tenyad, com o fornecimento de alimentação, e a Wizo, que nos cedeu um espaço para atender essas pessoas, assim como a Naamat, que se dispôs a receber rodas de conversa. Temos um grupo grande de instituições envolvidas nesse projeto. E desenvolvemos uma cartilha, que tem todas as informações sobre como identificar abusos e buscar ajuda. Isso porque, ainda assim, muitas mulheres têm dificuldade em reconhecer que precisam de ajuda, outras, por vergonha, ou medo, desistem de dar continuidade aos atendimentos. Mas é um trabalho do qual tenho muito orgulho.
Calculo que já atendemos cerca de cem casos. Pode parecer pouco, mas não é porque esse não é um atendimento curto e rápido. Fazemos todo um acompanhamento de acordo com a necessidade de cada uma. E esse não é um trabalho apenas com mulheres. Hoje temos muitos idosos e crianças que sofrem violência familiar. Enfim, a partir da questão da violência contra a mulher, acabamos entrando numa seara que abrange essa questão de uma forma muito mais ampla. Tem períodos em que a demanda é maior, como aconteceu durante a pandemia de Covid, e outros com menor procura.
Prevenção nas escolas
Temos também um trabalho de prevenção, liderado pela Vera Bobrow, que é uma referência como liderança feminina. Ela faz um trabalho muito importante nessa área e recentemente tivemos um evento muito bom com especialistas sobre saúde mental dos jovens. Temos que pensar em trabalhar essas questões desde cedo com os jovens. Desenvolvemos em parceria com o Instituto Mauricio de Souza uma cartilha que distribuímos nas escolas com o título “Quem me quer é quem me quer bem”. Ainda assim é um projeto formiguinha, mas que esperamos colher frutos positivos mais adiante.
Advocacy, liderança e networking
Atuamos também na área de advocacy da mulher, em tudo que diz respeito aos direitos da mulher seja na politica, junto às entidades, às ONGs etc. Esse grupo é liderado pela Luciana Feldman, que atua nessa área há muitos anos.
Temos também a área de liderança e networking, que abrange toda a parte profissional da mulher no seu trabalho, tanto em empresas como na liderança comunitária. Esse grupo tem um trabalho voltado para capacitações, mentorias, fóruns e funciona sob a coordenação de Elisa Nigri Griner, que é diretora da Fisesp e muito atuante em várias áreas. E só nesse grupo há 300 mulheres, entre CEOs de empresas, empreendedoras e líderes comunitárias.
Estamos tentando abrir também grupos de homens para discutir questões diversas. E isso é muito importante no trabalho que desenvolvemos junto às mulheres. Enfim, tentamos envolver pessoas de diferentes áreas e faixas etárias num trabalho amplo de acolhimento, prevenção, educação nas escolas e capacitação profissional e comunitária.
Vera Bobrow foi convidada recentemente a dar palestra no tradicional colégio St. Paul's para 150 alunos, meninos e meninas que sentaram intercalados no auditório para ouví-la, e isso teve uma receptividade muito boa com relação aos temas abordados, tanto quanto à questão envolvendo mulheres como o bullying nas escolas, por exemplo.
Mensagem
Vou começar falando de uma atividade que fiz como corredora de maratonas. E para participar de uma maratona há todo um preparo, muitos vezes com mais dificuldades do que a própria maratona em si. Esse trabalho me trouxe muito aprendizado e me deu uma estrutura muito forte na vida. Aprendi que a persistência, o foco, a concentração e o objetivo são fundamentais em tudo o que fazemos. A mensagem que eu posso deixar é que não existe nada que nos propomos fazer que não tenha um longo caminho a percorrer. Ao longo da minha carreira eu fiz que coisas que deram muito certo e outras não. È importante não desistir e seguir na trilha escolhida para alcançarmos nosso objetivo. Outro recadinho que eu gostaria de deixar aos jovens é: saiam das telas, das redes sociais. Isso está massacrando vocês. É importante ler mais livros, jornais e procurar estar bem informado, mas não só com o que chega na telinha do celular. É importante também praticar esportes, ter amigos. Enfim, ter tempo para as coisas boas da vida, buscar conhecimento e saber se doar para os outros. Estamos nessa vida de passagem, por curto espaço de tempo, e precisamos fazer a diferença.