07.01.24 | Brasil

“É antissemitismo sim, Gleisi”

Em artigo no jornal O Globo , o jornalista, escritor, ativista LGBT e doutor em estudos da linguagem (PUC-Rio) Bruno Bimbi analisa a posição antissemita de setores da esquerda que não reconhecem o preconceito e atribuem o posicionamento ao antissionismo. Diz o texto:

'Não é antissemitismo, mas antissionismo', diz todo progressista que precisa de preconceitos específicos contra judeus. Diferentemente da extrema direita, que exibe seus ódios com orgulho, a esquerda os nega, indignada: como assim, antissemita, eu?

Em 2012, o opositor venezuelano Henrique Capriles, que é católico e não tinha falado nada sobre Israel, foi acusado pelo chavismo de sionista por ter “família sionista”. Uma família de judeus sobreviventes do Holocausto. Também o acusaram de gay, olha só.

No Brasil, a segunda acusação seria própria da extrema direita. Quando nós, gays, denunciamos a homofobia, a maioria da esquerda nos defende. Da mesma forma, quando negros denunciam racismo ou mulheres, machismo. Quando um judeu sofre antissemitismo, nada. É mimimi, vitimismo, lobby sionista — o avô do lobby gay.

Nesses dias, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, deu um bom exemplo. Criticou a denúncia da Confederação Israelita do Brasil (Conib) contra o jornalista Breno Altman dizendo que a maior entidade judaica brasileira “age em nome” do governo de Israel. Agentes estrangeiros? Para entender por que essa fala não é “antissionista”, mas antissemita, precisamos voltar até 1894, quando o sionismo político ainda não existia.

Naquele ano, na França, o capitão Alfred Dreyfus, de 35 anos, foi condenado à prisão perpétua por traição, acusado de revelar segredos aos alemães. Era falso. As provas de inocentavam, mas o Exército e parte da imprensa insistiam: aquele “porco judeu” era um traidor! O processo escandaloso, que gerou uma crise política, virou acusação coletiva. Essa gente não acreditava que os judeus franceses, todos eles, poderiam ser leais à França. Aliás, eram mesmo franceses?

Theodor Herzl, futuro pai do sionismo, tinha quase a mesma idade que Dreyfus e estava em Paris como correspondente de um jornal de Viena. A perversidade do caso, que Émile Zola desnudou em seu manifesto contra o antissemitismo “J'accuse!”, levou Herzl à triste conclusão de que os judeus jamais estariam seguros até terem um Estado. Quando presenciaram a cerimônia de manipulação do militar e ouviram gritos de “Morte a Dreyfus! Morte aos judeus!”, sentindo que a luta contra o antissemitismo na Europa já era inútil.

No ano seguinte, escreveu “O Estado Judeu” e, dois anos depois, na Basileia, especificando o primeiro congresso sionista. Herzl morreu em 1904, sem ver seu projeto realizado. Depois do Holocausto, quando Hitler provou que não exagerava, Israel finalmente nasceu. Desde então, uma imensa maioria dos judeus do mundo é sionista (quer dizer, acredita que Israel precisa existir), mas os judeus da França ainda são franceses e os do Brasil, brasileiros.

A acusação de “dupla lealdade”, usada contra Dreyfus, continua se repetindo na História e, desde que há um Estado judeu, ganhou nova forma: judeus do mundo inteiro são acusados ​​de serem mais leais a Israel que ao próprio país. Foi o que Gleisi fez ao acusar uma entidade que representa os judeus brasileiros de “agir em nome” de Israel.

É uma acusação antissemita de manual!

É provável que ela acredite honestamente no que disse e não perceba o tamanho do buraco onde meteu o pé. Também está errado em relação à denúncia contra Altman. Não foi por “criticar Israel”, mas, entre outras asneiras, por comparar judeus israelenses a ratos, algo como comparar negros a macacos.

Isso não é “antissionismo”, Gleisi.

Aliás, o sionismo também não é uma “doutrina”, mas o movimento nacional de autodeterminação do povo judeu. Há sionistas de direita, de esquerda, laicos, religiosos, com diferentes opiniões sobre o governo de Israel e a questão palestina. A única coisa que todos concordam é o direito de Israel a existir, com as fronteiras atuais ou com outras.

A existir, apenas.

Se você também concorda (se não achar, como os assassinos do Hamas, que Israel tem de ser apagado do mapa), você também é sionista. Pode ter uma opinião que queira sobre essa guerra e, claro, pode não gostar de Netanyahu. Segundo as pesquisas, os israelenses também não gostam.

Mas, se você for contra a existência de um único país entre todos os países do mundo, justamente o único país fundado por judeus (e para proteger judeus), o que será que você é?


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação