29.04.25 | Brasil
“Os jovens precisam estar imbuídos de um sentimento de pertencimento para dar continuidade ao legado dos primeiros imigrantes judeus no Sul”
Presidente da Sociedade Israelita de Passo Fundo e líder espiritual, Berel Natan Engelman fala ao Histórias Reais da CONIB sobre a sua atuação na comunidade e o legado deixado na região pelos primeiros imigrantes que chegaram ao sul do Brasil vindos, principalmente, de países do Leste Europeu, da Rússia e da Ucrânia. “Os jovens precisam estar imbuídos de um sentimento único de continuidade, de pertencimento, terem em mente que lá atrás muitos dos judeus que aqui chegaram também eram jovens. Que os novos jovens possam usar os bons exemplos para se inspirar, produzir projetos inovadores e zelar pela memória e pelo legado deixado em diversos âmbitos, numa época de poucos recursos - muito diferente de hoje em dia em que tudo parece mais fácil e com mais possiblidades e tecnologias disponíveis.
Tradição judaica
Minha família de ambos os lados é de origem judaica. Meus avós paternos eram de origem polonesa e, por parte de mãe, tem russos e ucranianos. Convivi por 15 anos com a comunidade judaica de Curitiba e retornei a Passo Fundo com minha esposa em setembro de 1994. E, sem grandes pretensões, acabei assumindo como líder espiritual da comunidade de Passo Fundo. E aí já se vão 31 anos à frente da comunidade. Hoje, também faço parte da Chevra Kadisha e estou atualmente como presidente da União Israelita de Passo Fundo.
A imigração judaica em Passo Fundo
Os primeiros judeus oriundos da Europa vieram em 1912. Se estabeleceram em Passo Fundo, atuando principalmente no comércio, atividade que já mantinham na Europa. Aqui, em Passo Fundo, eles abriram lojas, com diversos produtos e de prestação de serviços. Os pais sempre incentivando os filhos a estudar e, no momento em que chegava a hora de cursarem uma faculdade, estes acabavam indo para Porto Alegre. Muitos descendentes desses imigrantes estão espalhados pelo Brasil, Israel e muitos outros lugares.
A comunidade de Passo Fundo
Nos primeiros dez anos de chegada dos imigrantes, os judeus de Passo Fundo faziam uma ponte com os judeus de Quatro Irmãos e Região, que abrigava uma colônia polonesa. Naquela ocasião, a cidade de Passo Fundo não estava tão organizada como comunidade. Então lá, em Quatro Irmãos, eles participavam de eventos religiosos e, nas ocasiões de falecimentos, alguns eram sepultados no cemitério israelita de Quatro Irmãos. Isso ocorria em 1912, quando chegaram os primeiros judeus oriundos do Leste Europeu, principalmente da Polônia.
Já em 1922, dez anos depois, eles adquiriram uma área central e lá construíram uma sinagoga. No mesmo espaço, um anexo, passou a funcionar uma escola, um salão de festas e, assim, foi se fortalecendo a Kehilá de Passo Fundo.
Mas desde o início do século passado, após o falecimento de um judeu de Passo Fundo, a comunidade se mobilizou para construir um cemitério judaico no local. Como a prefeitura se recusou a doar uma área, os judeus se uniram e compraram um local. Então, em 1924, dois anos após a construção da sinagoga, foi inaugurado o cemitério israelita de Passo Fundo.
Quando falamos em projetos futuros pensamos nos mais jovens para dar continuidade a todas essas conquistas, como a preservação de nossa cultura, da religião e do nosso patrimônio, que são a sinagoga e o cemitério israelita, que já existem há mais de um século e que estão muito bem cuidados e preservados, embora sabendo que muitos jovens certamente buscarão centros urbanos maiores, em busca de oportunidades.
Colônia judaica da região
Atualmente, muitas pessoas estão visitando a cidade de Quatro Irmãos, Erechim e outros municípios onde os primeiros imigrantes judeus se estabeleceram, formando a Colônia de Quatro Irmãos. Penso que a consolidação do desenvolvimento brasileiro se deu em grande parte com as imigrações ocorridas durante o século XIX e início do século XX, que foram fundamentais especialmente para as regiões sul e sudeste. Vale lembrar, porém, que os judeus estão presentes desde o descobrimento do Brasil, com a chegada de Pedro Álvares Cabral e dos cristãos novos que aqui chegaram fugindo de perseguições e das conversões forçadas em países europeus. Não podemos esquecer dos judeus que desembarcaram no nordeste, especialmente em Recife, com Mauricio de Nassau, e dos que imigraram para a região amazônica.
A imigração judaica no sul foi mais organizada e se formou em colônias, numa espécie de incubadora de pessoas que se adaptaram ao País, formando famílias e criando descendentes que foram expandindo os negócios em várias áreas.
Com isso, podemos dizer que a imigração judaica a partir da Colônia de Quatro Irmãos também fez parte da formação da sociedade brasileira, atuando de forma efetiva em vários campos, como comércio, indústria, área financeira, na comunicação, saúde, entre tantas outras. Podemos até dizer que a colônia é um modelo de startup porque lá foi fundado o primeiro hospital rural do Brasil, o Leonardo Cohen, e também a primeira cooperativa de energia elétrica do País, que passou a gerar energia própria, ao invés de esperar pelo serviço público. Então, citando esses dois modelos, podemos dizer que a colônia foi muito empreendedora e pioneira, repassando essas inciativas a seus descendentes, que as aprimoraram e expandiram. E isso reflete um pouco do que é Israel hoje em dia, do ponto de vista do empreendedorismo.
Podemos dizer também que que os judeus estão em Passo Fundo há 70% do tempo de existência do município.
Então quando falamos de comunidade estamos falando de Passo Fundo e Erechim, às quais estamos atrelados de alguma forma, através de mútua cooperação que vem crescendo nesses últimos anos. Em Quatro Irmãos, onde está situado o cemitério israelita, assim como o Hospital Leonardo Cohen, que foi transformado em museu, é Erechim que tem os maiores cuidados com esses dois patrimônios.