Músico George Israel, ex Kid Abelha, fala sobre a importância do judaísmo em sua vida e da canção que fez para a avó, que fugiu do nazismo - Fundada em 1948, a CONIB – Confederação Israelita do Brasil é o órgão de representação e coordenação política da comunidade judaica brasileira.

08.05.23 | Brasil

Músico George Israel, ex Kid Abelha, fala sobre a importância do judaísmo em sua vida e da canção que fez para a avó, que fugiu do nazismo

George Alberto Heilborn Israel é um compositor e saxofonista, mais conhecido por ter integrado a banda carioca Kid Abelha, com a qual gravou 15 discos. Atualmente trilha carreira solo, que soma 3 discos gravados. Como autor, tem mais de uma centena de canções gravadas não só com a vocalista do Kid Paula Toller, mas também com outros parceiros como Cazuza. Filho de uma judia ashkenazita e de um pai sefardita, o músico fala do quanto seu judaísmo é visceral, da canção feita para a avó, que saiu da Europa para escapar do nazismo, e uma viagem a Auschwitz. Tudo narrado com uma mistura de empolgação, poesia, alguma dor e beleza. Assim como um solo de sax.

Origens

 George Alberto Heilborn Israel nasceu em uma família sefardita, pelo lado do pai e ashkenazita pelo lado da mãe. A parte de pai, Israel vem de Rohdes (Grécia). A família, por conta da Inquisição foi para a Grécia. “Quando vieram para o Brasil, já sabiam falar espanhol, porque preservaram o ladino, uma língua mais próxima para se estabelecer no Brasil. Minha avó conheceu meu avô por carta. Meu avô veio para o Brasil depois da Primeira Guerra Mundial, em busca de oportunidades. E conheceu meu bisavô, que mostrou uma foto da minha avó, Diana. Jaques e Diana começaram a se corresponder. E acabaram namorando. Não tinha internet, era por carta. Ela acabou vindo para o Brasil, casou com meu avô e se estabeleceu em São Paulo. Depois vieram para o Rio, na década de 1950. A história da minha mãe já é mais dura. Eles eram alemães e a parte da Alemanha em que viviam, depois da Primeira Guerra, virou Polônia pelo tratado de Versalhes e eles se tronaram poloneses. Aquela parte da colônia na alta Silésia. Aquela área foi o epicentro da ocupação alemã, foi onde eles invadiram primeiro, onde tinha o quartel general, inclusive Auschwitz. Acho que Auschwitz ficava cerca de 50 km da cidade de onde meus parentes fugiram. Eles conseguiram sair, mas a parte toda da família da minha mãe, bisavós, tios, primos tiveram aquele destino trágico de Auschwitz. Eles vieram para o Brasil e se estabeleceram em Belém, depois seguiram para São Paulo e Rio. Sempre me passaram esta história da gratidão, do amor, da paixão pelo Brasil. Minha avó faleceu com 98 anos e eu lembro dela sempre falando sobre isso. Eles eram muito gratos ao destino por ter, apesar de tudo que aconteceu, chegado ao Brasil e terem se estabelecido aqui. E estamos aqui. Tem uma coisa para contar, falando deste episódio todo tão difícil de superar e entender, de quando a gente foi para Cracóvia, visitar a área que meus avós viviam e também Auschwitz. Este é um ‘passeio’ que se faz, todo judeu vai lá, porque faz parte do pensando, será que alguém podia imaginar que nós, os descendentes, iríamos voltar ali, dar esta volta toda? Que os descendentes estariam ali, naquele lugar, processando isso tudo? Cultura maravilhosa. Bem, isto tudo para falar da minha ligação com o judaísmo, que é muito visceral.  A gente vai aprendendo o quanto a nossa formação se deve a isso. O quanto tem de profundidade. Não a parte da religião em si, mas da cultura. Religião e cultura, é tudo misturado. E o quanto a gente traz, e que tem um efeito bacana de valorizar a vida, de valorizar a cultura, de valorizar mais do que os bens materiais, o que a gente tem na cabeça. Sempre aprendi isso. Podem te tirar tudo, mas o que tá dentro da sua cabeça, ninguém tira”.

Carreira musical

Eu não sabia que eu ia ser músico. Eu sempre amei música mas não especialmente me preparei para ser músico profissional. Eu até comecei fazendo física na faculdade e depois engenharia eletrônica. E nesse meio tempo, eu tocava, tinha bandas, estudei música. É muito engraçado porque meus filhos acabaram de um jeito parecido. Meu filho mais velho virou matemático mas também toca. Os dois, aliás, tem uma coisa parecida. Foi legal, porque sem saber acho que herdei dos meus avós essa coisa da cultura mesmo. Desde pequeno eu ia com a minha avó no Municipal e ela tocava piano mas era tudo muito lúdico, não era levado a sério. Minha avó me trazia instrumentos, mas como brinquedo. Para mim aquilo era bem natural. E nos anos 80, acho que a gente teve aquele momento muito legal, especial de mudança, dos adolescentes terem mais expressão e não obrigatoriamente estarem engajados politicamente. Foi uma época do desbunde mesmo: vamos embora, vamos tocar, vamos curtir, vamos surfar, vamos fazer teatro, fazer poesia.  E a gente curtiu muito isso aqui no Rio. E aí depois desembocou, agora falando para quem se interessa pela história do Kid (Abelha), das bandas dos anos 1980.  Apareceu a Rádio Fluminense, que tocava só rock e começaram a tocar músicas de bandas desconhecidas, iniciantes do Rio. Tinha as chamadas fitas demo, comumente gravadas em um estúdio emprestado, de alguém ou de uma agência, como foi nosso caso. A gente gravou uma música - eu tinha algumas bandas entre elas a do pessoal que acabou virando o Kid Abelha. A gente levou a música na Rádio Fluminense, levamos a fita despretensiosamente com a esperança de que acontecesse alguma coisa, e foi muito mais do que a gente imaginou. O programador Luiz Antonio Mello, que era diretor da rádio, quis tocar na hora. E tem histórias: que a banda nem tinha nome e foi batizada no ar.

Aceitação da família com a profissão

Eu me lembro do meu pai falando, ele tinha o negócio dele, do qual eu cheguei a me aproximar, especialmente depois que ele ficou mais doente, para saber de tudo que estava acontecendo, ajudar.  Eu acompanhei durante um tempo, mas ele, acho que no fundo ele sabia. Ele falou: se você está fazendo alguma coisa que gosta e está dando certo, vai fundo. Talvez se não tivesse dado certo, ele não teria dado força. Não foi nem força, foi reconhecimento. Só fica de olho, porque isso pode não durar muito, ele dizia. Esse foi talvez um dos motivos de eu segurar mais a faculdade. Eu estava mais atento a essas coisas. Mas não teve uma resistência. Tinha aquela coisa de adolescente, no ano do vestibular, eu era bom, aluno, eu virava noite, no fim das contas passava de ano. Como pai, conversei com um amigo do meu filho e ele me falou: ví as notas do teu filho, deixa quieto. Tá tudo certo. É um pouco isso. Tem uma idade que é meio tudo ao mesmo tempo agora, existem as angústias do que você vai ser, ou de fechar uma porta que você não percebeu que é o que você mais gosta. Então, no meu caso, acho que foi orgânico, não foi duro. Essa expectativa dos pais é administrada, é dinâmica, foi um processo até longo. Foi um dilema, mas foi levado paralelamente e eu consegui ajudar no trabalho (do pai) e continuo fazendo isso até hoje. Meu pai morreu há 10 anos e continuo levando o trabalho dele até hoje.

Preconceito

De uma forma geral, pelo menos as pessoas que estão a minha volta, admiram muito a cultura judaica e até a religião. Mas lembro de um episódio que deve ter uns 20 anos. Era para fazer um DVD da Geração 80 e me chamaram para participar com o Leoni e o Leo (Jaime). Era para tocar uma música com os dois e outra com o Ritchie, músicas com solo de sax, que eu adoro. Com o Leoni e o Leo, era “Fórmula do Amor”. Aí o produtor falou: faz uma música tua. Ah de repente faz “Brasil” (composição: Nilo Romero / George Israel / Cazuza), com o Nasi (então vocalista do Ira!). Tinha uma coisa assim, Rio versus SP; de rock de bermuda e os antenadinhos de São Paulo. A gente é amigo mas tinha, no início, essa coisinha. E do pop, né? Porque além de ser banda do Rio de Janeiro, não era o Barão Vermelho, nem o Paralamas, era uma banda mais feminina com a Paula no vocal... Acabou que isso foi se diluindo de verdade. Mas com o Nasi tinha essa história... A gente chegou, foi tocar a música e no meio disso tinha alguém com a bandeira da Palestina, algo assim, no meio do público e o Nasi começou a fazer um discurso pró Palestina. Eu estava no palco para cantar só uma música e ele resolveu se manifestar ali. E então, eu disse:  desculpa aí, vou ter que ter uma palavra também. Falei o que eu achava, e ficou aquela saia justa. A gente cantou a música junto. Ficou um negócio meio doido. E a gente ficou nessa, gastou o que tinha que gastar.  Ele pediu desculpas. Ele tinha dito. Disse porque quis, sabia que eu era judeu também. Mas ficou uma coisa assim... E depois ele me chamava para fazer participação nos shows dele. Eu particularmente, já falando do que acontece no Brasil, acho que a gente tem que estar atento sempre para os dois lados. Tem uns preocupados só com o Lula, outros com o Bolsonaro. A gente tem que estar sempre esperto nos movimentos de cada um que entrar no poder, porque a gente é brasileiro também e tem que ter uma crítica sempre com o olhar da nossa origem. 

Música em homenagem a avó, sobrevivente do Holocausto

Acabei nem falando tanto de música. Não sei se vocês conhecem, o senhor Aleksander Laks (1926-2015) que era um sobrevivente do Holocausto e tinha uma missão linda de não deixar no esquecimento toda a história. Aquela era a missão da vida dele. Maravilhoso ter dedicado a vida para mostrar isso (o que foi o Holocausto) para as pessoas. E eu pensei em fazer uma música para traduzir o que ele me fez aflorar e misturar com a história da minha família. E aí tem a minha avó, lembrei das coisas que ela gostava. Do agradecimento que tinha por ter vindo para o Brasil e que eu fiquei feliz de expressar. E foi essa canção que eu fiz. Para quem quiser me acompanhar, e não conhece meu trabalho, tem toda a história do Kid, foram 15 discos em 30 anos de carreira, e tem a minha carreira solo, com 3 discos. Solo. Faço trabalho com música eletrônica, faço bastante show com DJ. Tenho uma banda, o Kid acabou há 10 anos, mas eu montei minha banda. Tem essa música se vocês quiserem ouvir no spotify chama “Curados Ao Sol de Copacabana” (de 2007). 

A letra fala:

Te imagino subindo num barco fugindo sem querer partir
Olhando pra quem te ama pela última vez
Virando a esquina de casa pra nunca, nunca mais voltar
Como se fosse possível deixar pra traz a vida que te fez
Por isso vou lembrar a verdade
Pra que o futuro não repita o passado, meu amor (Vou lembrar a verdade)
Perdi o rumo das estrelas
Com a luneta embaçada de lágrimas
Estidalhaçada pela dor
A luz do fim do Atlântico se iluminou e de presente nos deu
O céu de abril se coloriu e se vestiu das cores do Brasil

Pão de Açúcar, manga sobre a mesa
Bossa nova, feira, sorriso sem dente
Biquini indecente
Curados ao sol de Copacabana
Tropicália, Jorge Mautner, minas, Niemeyer
Sonhos de Darcy, Maracanã, Gabeira, Erasmo
Namoro cheirando a Jasmim

Nas madrugadas batucadas
Abrem súbitas estradas
De luz sonora em nosso coração
Cada nota musical é a luz celestial de estrelas invisíveis
Dentro do céu de cada um de nós
Espasmos de luz, orgasmos azuis

Tanto tempo se passou
Mas tua história não vou esquecer
Uma em milhões
Outra obra-prima do sobreviver
Quando penso que tá tudo perdido e estranho
Paro pra pensar
E beijo com os olhos a terra que nos deixou plantar
Meninos e meninas livres pra pensar
Meninos e meninas livres pra inventar... o futuro

Pão de Açúcar, manga sobre a mesa
Bossa nova, feira, sorriso sem dente
Biquini indecente
Curados ao sol de Copacabana
Tropicália, Jorge Mautner, minas, Niemeyer
Sonhos de Darcy, Maracanã, Gabeira, Erasmo
Bem, namoro cheirando a Jasmim

Para sempre em meu coração as vozes e os olhares dos assasinados nos campos de concentração Buchenwald, Sobibor, Maidenek, Belsen, Mathausen, Auschwitz, Dachau, Treblinka

Filhos da guerra, curados ao sol de Copacabana.


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