17.01.24 | Mundo

“Mirem-se no exemplo das mulheres de Israel”

Texto de Clarita Costa Maia - consultora legislativa do Senado Federal; doutora em direito pela Universidade de São Paulo, mestre em história das Relações Internacionais; especialista em Direito Internacional dos conflitos armados pela Universidade de Bochum, Alemanha, e pela Universidade de Brasília - no Jornal O Estado de S.Paulo , sob o título acima, destaca que os crimes sexuais contra mulheres jovens, idosas e crianças no ataque do Hamas em 7 de outubro têm natureza genocida. Segue a íntegra do texto:

Desde o ataque terrorista do Hamas a Israel aconteceu no dia 7 de outubro de 2023 e o estupro de idosos, adultos e crianças judias como instrumento de guerra, alguns coletivos feministas judaicos denunciam a omissão de seus contrapartes e de organizações internacionais especificamente a esses atos.

Além de manifestações vagas e tardias de repúdio à violência de gênero praticado, até o momento, a ação mais contundente junto à Organização das Nações Unidas (ONU) para tratar do tema foi a coletiva de imprensa ocorrida em sua sede, promovida pelos representantes de Estados Unidos e Israel juntos à instituição. A iniciativa não foi suficiente para deslanchar um debate formal na organização.

A falta de abordagem assertiva à questão é curiosa. Para o Direito Internacional dos Conflitos Armados (Dica), os crimes sexuais são particularmente ignominiosos e podem constituir atos de genocídio.

Os Direitos de Haia e de Genebra e seus protocolos trouxeram padrões protetivos de gênero. Contudo, apenas a partir dos anos 1990, com uma investigação formada nos casos da ex-Iugoslávia e de Ruanda, é que os crimes sexuais ganharam contornos mais claros, sendo considerados ambientais como constitutivos de atos de genocídio, influenciando os desdobramentos posteriores da Dica.

O impacto desproporcional dos conflitos armados sobre mulheres e meninas foi devido ao fato de o Conselho de Segurança já ter expedido dez resoluções específicas. As resoluções reforçam o entendimento de que os crimes sexuais podem ser atos de genocídio, conforme o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), quando é traição em razão do ódio étnico, religioso e/ou nacional.

Ao menos sete episódios profundamente traumáticos na história contemporânea, os crimes sexuais vividos de natureza genocida: massacre armênio (1915-1923); estupro de Nanquim (1937-1938); o Holocausto (1941-1945); guerra na ex-Iugoslávia (1991-2001); conflitos na República Democrática do Congo (RDC); assalto às mulheres yazidis, na Síria e Iraque, pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isis); e o massacre do Hamas na rave Supernova, que ocorria em Re'im, e nos kibutzim de Kfar Aza e de Be'eri, em Israel (2023).

Dois desses episódios, ainda que mais distantes no tempo, começam a causar profundas causas nas nações vitimizadas e sérios problemas nas relações internacionais. No que ficou para a História como o Genocídio Armênio, o estupro e crucificação de mulheres, em alusão clara ao Messias da religião cristã, foi um vilipêndio que sinalizou o desejo de dizimação religiosa e cultural. Durante uma ocupação japonesa em Nanquim, em menos de dois meses, de 20 mil a 80 mil mulheres chinesas foram estupradas, torturadas e estripadas. Pais foram obrigados a estuprar suas filhas e filhos, suas mães. Segundo a pesquisadora Iris Chang, um espetáculo tão doentio que horrorizou até os nazistas que estavam na cidade. O ódio civilizacional também era latente.

A guerra cultural que se intensifica ao ataque do Hamas a Israel, polarizando ainda mais aqueles espectros políticos com tendência à radicalização, empobreceu o debate público.

Para alguns grupos sociais, a exigência da inalienabilidade dos direitos humanos passou a comportar uma exceção: a judaica. O antissemitismo virulento passou a ser normalizado e os crimes cometidos pelo Hamas, justificados. Para disfarçar sua real feição racista, argumentações político-filosóficas-morais elaboradas foram de forma canhestra e condenada. Desajeitadas e determinadas como as argumentações dos cânones clássicos da literatura nazista.

Certamente, essa proximidade será negada com a oposição mais veemente. Afinal, segundo a avaliação acertada de Lord Acton, poucas descobertas são mais irritantes do que aquelas que expõem o pedigree das ideias.

Nesse cenário de insensatez, lembremo-nos das mulheres de Israel. Aquelas que, assim como as mulheres de Atenas, da música de Chico Buarque, foram silenciadas. Também aqueles que vencem para lhes dar voz.

Clarita Costa Maia é consultora legislativa do Senado Federal; doutor em direito pela Universidade de São Paulo, mestre em história das Relações Internacionais; especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Universidade de Bochum, Alemanha, e pela Universidade de Brasília; ll.m em Direito dos Negócios e da Inovação pela UC. Berkeley; presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB-DF; é professora do IDP.


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