Especialista conta como foi a expulsão de judeus de países árabes e a imigração no Brasil - Fundada em 1948, a CONIB – Confederação Israelita do Brasil é o órgão de representação e coordenação política da comunidade judaica brasileira.

19.03.25 | Brasil

Especialista conta como foi a expulsão de judeus de países árabes e a imigração no Brasil

Em entrevista à CONIB, o historiador, escritor e cineasta Marcio Pitliuk fala sobre um tema pouco conhecido: a expulsão de judeus de países árabes e sua vinda ao Brasil. “Houve imigrações de judeus vindos do Líbano e da Síria, principalmente, em 1910 e 1920. A maioria desses judeus se estabeleceu em São Paulo, no bairro da Mooca, mas a grande imigração de judeus vindos de outros países árabes se deu na década de1950”.

A grande maioria desses judeus foi primeiro para Israel. Na época, Israel era um país que estava começando, com muitas dificuldades e sem condições para absorver toda essa população. Muitos dormiam em barracas de lona, trabalhavam no que conseguiam e viviam em condições muito difíceis. Então esses judeus começam a procurar outros países para recomeçar a vida. Primeiro foram se espalhando pela Europa, pela proximidade, enquanto outros seguiam para a América do Norte, se instalando nos Estados Unidos. Mas muitos decidem vir para o Brasil, onde já tinham parentes. Essa grande imigração de judeus sefaraditas se deu nos anos de 1950.

Contribuição para sociedade

Esses judeus vindos do Líbano e da Síria deram grande contribuição ao desenvolvimento do Brasil, especialmente na área financeira, que dominavam. Os que viviam em Aleppo, na Síria, já tinham como sua principal atividade o comércio entre Oriente e Ocidente. As caravanas que saíam do Oriente para o Ocidente, e vice-versa, paravam em Aleppo e ali era feito um comércio com letras de câmbio. E essas letras de câmbio podiam ser trocadas por dinheiro em outros países, era uma espécie de cheque ao portador. Então eles tinham uma habilidade muito grande para lidar com dinheiro.

A perseguição nos países árabes

A partir de 1948, quando foi fundado o Estado de Israel, os países árabes já tinham dito na ONU que não permitiriam a criação de um Estado judeu no Oriente Médio. E ameaçaram com guerra. E quando de fato foi proclamada a independência de Israel em 1949, imediatamente os países árabes se uniram para atacar Israel. Essa foi a primeira guerra que Israel enfrentou: a guerra da independência. Os exércitos do Egito, Arábia Saudita, Iraque, Síria, Líbano atacaram Israel. Essa guerra durou um ano e meio e Israel conseguiu vencer. Só que nesses países começou uma perseguição muito grande aos judeus, inicialmente na Síria e no Iraque, levando as comunidades judaicas a buscarem refúgio em outros países. Na Síria a situação foi complicada, porque as autoridades exigiam valores altos para permitir a saída de judeus e o governo lucrava com isso. Esses valores aumentaram com o tempo e muitos judeus tentavam sair de qualquer maneira, deixando para trás seu patrimônio. Muitos fugiam a pé pelo deserto em direção ao Líbano.

A retirada de 110 mil judeus do Iraque e da Síria

Aviões israelenses começaram a ajudar na retirada desses judeus de países árabes. Mas, como esses países não permitiam voos com Israel, os aviões seguiam para Chipre e de lá esses judeus, ou ficavam, ou seguiam para Israel ou outros lugares. E essa operação foi impressionante porque, em poucas semanas, mais de 110 mil judeus foram retirados do Iraque. Assim, em quatro ou cinco semanas, acabou a comunidade judaica no Iraque. Os judeus saíram do Iraque apenas com a roupa do corpo, que era o que as autoridades permitiam, além de algo equivalente entre 10 e 20 dólares. Uma dessas pessoas que estava em um desses voos – o iraquiano Moshe Brecor, à época com 18 anos – veio para o Brasil na década de 1960, depois de ter ido para Israel. E aqui ele contou que saiu do Iraque com a roupa do corpo.

Com essa operação, foram retirados todos os judeus da Síria e do Iraque. Depois disso, a situação deu uma acalmada para os judeus nesses países, mas a situação voltou a piorar quando Gamal Abdel Nasser tomou o poder no Egito e impôs uma linha dura. Em 1956, houve a segunda guerra de Israel, quando Nasser decidiu nacionalizar o Canal de Suez, fechando o comércio que passava pelo local. A Inglaterra e a França, que dependiam muito dessa rota de comércio, não aceitaram essa decisão. E Israel também ficou numa situação difícil, porque também precisava dessa passagem. E Nasser amplia o nacionalismo e começa a perseguir os europeus que viviam no Egito.

A venda de passaportes iranianos para judeus

Todos esses judeus saíram dos países árabes sem qualquer documento. E isso eu explico no documentário "Laissez-Passer – A Expulsão dos Judeus dos Países Árabes", que será exibido nesta quinta-feira (20) sinagoga Mishcan Menachem. Laissez-Passer (“Deixe passar”) é um documento emitido por um país que permite a uma pessoa usar apenas uma vez para entrar em outro país. Ou seja, não era um passaporte. Sem cidadania, os judeus necessitavam desse documento para sair de países árabes e entrar em outro país, como França e Itália e desses países emigrar para outros, como o Brasil.

No Líbano aconteceu um fato muito curioso: os judeus sírios ou libaneses ficaram sabendo que o embaixador do Irã, governado à época pelo xá Rezha Pahlevi, estava vendendo passaportes e passaram a recorrer a ele. Como o embaixador iraniano gostava de jogar em cassinos no Líbano, esse era um recurso para que ele pudesse bancar o seu hobby. E eram passaportes verdadeiros, emitidos pelo governo do Irã e constando como nacionalidade a iraniana.

O xá, quando soube, não gostou. Mas, como a comunidade judaica do Líbano ficou sabendo que a irmã do xá estava construindo um hospital infantil em Teerã, os judeus logo se ofereceram para contribuir com a construção. E isso foi feito e, assim, os passaportes continuaram a ser emitidos até a derrubada do xá iraniano pelos aiatolás.

Marcio Pitliuk é historiador, escritor e cineasta, um dos maiores especialistas brasileiros em Holocausto. É membro da Academia Ituana de Letras, do Conselho Acadêmico da SWU, e do Conselho Curador do Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto de São Paulo. Já publicou mais de 20 livros, entre eles, O Alpinista, Imigrantes judeus e suas contribuições na formação do Brasil, Laissez-Passer, a expulsão dos judeus dos países árabes, O Engenheiro da Morte e O homem que venceu Hitler.


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