23.06.25 | Mundo

“A aposta de Trump”

Editorial de O Estado de S.Paulo publicado nesta segunda (23) avalia que “ao mandar destruir o programa nuclear iraniano, o presidente dos EUA espera que o Irã aceite a saída diplomática, o que seria o mais racional. Mas o regime dos aiatolás é imprevisível”. Leia a seguir a íntegra do texto:

Ao ordenar o bombardeio de três instalações nucleares subterrâneas no Irã – Fordow, Natanz e Isfahan –, o presidente dos EUA, Donald Trump, não declarou guerra, mas tampouco buscou um gesto meramente simbólico. A operação, batizada de Martelo da Meia-Noite, foi concebida como um golpe cirúrgico, preventivo e decisivo, destinado a desarmar Teerã e forçá-la a negociar. É possível que tenha funcionado: o programa nuclear iraniano foi, com toda probabilidade, substancialmente retardado. Mas o mundo agora paira num estado de suspensão. Tudo depende da resposta do Irã.

Trump age, como de hábito, por impulso, mas não sem cálculo. Ele não quer que o Irã tenha a bomba – e, com o programa nuclear iraniano severamente atingido após os ataques israelenses das últimas semanas, viu uma rara janela de oportunidade para liquidar o problema. Ao mesmo tempo, não quer envolver os EUA numa nova guerra no Oriente Médio. A operação foi desenhada para “escalar para desescalar” – uma doutrina arriscada, que aposta que um gesto de força esmagadora criará as condições para a diplomacia. O risco é não funcionar.

Teerã tem agora três caminhos possíveis. O primeiro, e mais racional para o próprio Irã, seria a contenção: uma retaliação simbólica, seguida de recuo tático e retorno às negociações – talvez sob mediação árabe ou turca –, com o abandono definitivo de suas ambições nucleares como condição para o fim do isolamento. O segundo, e mais temido, é o da escalada: ataques a alvos americanos ou israelenses, uso de milícias aliadas no Líbano, no Iêmen e no Iraque, sabotagens navais, tentativa de fechamento do Estreito de Ormuz e terrorismo. O terceiro, talvez mais provável, é o cenário intermediário: o Irã evita uma escalada imediata, mas abandona o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, expulsa inspetores internacionais e tenta reconstruir seu programa nuclear em segredo, sob nova doutrina de dissuasão.

Todas essas opções têm custos. O regime está militarmente enfraquecido, politicamente isolado e internamente pressionado. Dois anos de confronto com Israel – iniciados após o ataque do Hamas em outubro de 2023 – devastaram sua capacidade defensiva e ofensiva. O espaço aéreo iraniano foi exposto, suas bases estratégicas, comprometidas, o Hamas, o Hezbollah e os Houthis foram silenciados, o regime sírio de Bashar al-Assad caiu. A ação americana coroou esse processo. Se escolher a retaliação, o regime dos aiatolás arrisca sua própria sobrevivência.

Trump, por sua vez, declarou-se pronto para negociar. Negou buscar uma mudança de regime, mas exige rendição total do programa nuclear do Irã. É o tipo de retórica maximalista que pode tanto assustar quanto provocar. Se funcionar, Trump poderá apresentar-se como o presidente que finalmente desarmou o Irã sem repetir os erros dos EUA no Iraque. Se falhar, estará enredado em mais um conflito de longo prazo, vulnerável a retaliações terroristas, choques do petróleo e turbulência geopolítica.

Há, sim, distinções cruciais entre este ataque e as guerras do passado. Não há invasão terrestre. Não há campanha de mudança de regime por ocupação. O Irã está só: a Rússia está atolada na Ucrânia; a China, desejosa de estabilidade regional; não há potência disposta a protegê-lo. O regime vive seu momento mais frágil desde a Revolução Islâmica de 1979. Paradoxalmente, o risco de uma deflagração regional nunca foi tão grande.

A encruzilhada de Teerã lembra a de 1988, quando o aiatolá Khomeini, após anos de guerra com o Iraque, aceitou uma paz amarga “como quem bebe um cálice de veneno”. O atual líder supremo, Ali Khamenei, terá de decidir se segue o mesmo caminho – ou se dobra a aposta. Se escolher a segunda via, o mundo pode estar às vésperas de um conflito devastador. “O Irã, o valentão do Oriente Médio, deve agora fazer a paz”, disse Trump. “Se não o fizer, ataques futuros serão muito maiores e mais fáceis.”

A operação Martelo da Meia-Noite foi militarmente eficaz, mas geopoliticamente é uma aposta de alto risco. A guerra pode ter sido evitada. Mas também pode ter começado. Não é possível saber. A única certeza, por ora, é de que o relógio está correndo – e o próximo movimento é do Irã.


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