30.06.25 | Mundo

“Israel, Irã e o Ocidente”

Em artigo no jornal O Estado de S.Paulo desta segunda (30), o professor de Filosofia  Denis Lerrer Rosenfield comenta o conflito entre Israel e Irã e destaca que “a reação europeia marca um ponto de virada, que até então vinha se posicionando contra a conduta israelense em Gaza”. “No entanto, confrontada consigo mesma, assume que o problema colocado pelo Irã não é somente uma questão israelense, mas europeia e, de forma mais geral, ocidental. Países líderes como Alemanha, Reino Unido e França declararam com todas as letras ser inaceitável que o Irã possa possuir uma bomba atômica, constituindo-se numa ameaça mundial. Setor importante dos europeus está, assim, alinhando-se a Israel”. Leia a seguir a íntegra do texto:

No imediato pós-Guerra, o Irã confrontou-se com um dilema: o de permanecer no culto à morte, conforme a sua retórica de destruição do Ocidente e do Estado de Israel, em particular, tudo subordinando ao martírio e ao sacrifício que são a sua expressão, ou o de fazer um cálculo de perdas e danos, considerando o futuro, devido à sua fragorosa derrota militar. Apesar de sua retórica belicista e macabra, exibiu a mera aparência do que parecia ser. Terminou, porém, optando pela racionalidade estratégica, assumindo-se mais como Estado do que como organização terrorista.

Na perspectiva da guerra, a operação israelense é profundamente inovadora, por estar amparada em: 1) inteligência cibernética, inteligência artificial e infiltração real da Guarda Revolucionária, do meio militar em geral, das elites políticas e científicas e dos órgãos de segurança; 2) operações da Força Área, precedidas por uma ação de comandos, conduzida pelo Mossad, introduzindo durante vários meses mísseis e drones no interior do Irã, sem que a inteligência iraniana tivesse tido noção do que lá se passava; 3) Força Aérea, que teve, assim, todo o espaço iraniano a seu dispor, podendo atacar livremente os seus alvos previamente escolhidos. Foi precisa em sua ação, dizimando os sites nucleares (com ajuda americana), suas fábricas e estoques de munições e mísseis, instalações e bases militares, além de ter reduzido substancialmente as baterias lançadoras de mísseis; 4) ausência de perdas de aeronaves israelenses, todas retornando às suas bases militares; e 5) alvos das ações foram militares e não civis, ao contrário do que foi empreendido pelos iranianos, que chegaram a atacar um importante hospital.

Note-se que ainda se trata de uma guerra moderna, do século 21. A guerra entre Israel e Irão não envolve disputas territoriais, de fronteiras, inexistentes entre esses dois países. Israel não enviará tropas ao Irã. Seu objetivo é claro: impedir que o Irã produza uma arma atômica, o que estava perto de fazê-lo, e não mais envie dinheiro, armamentos e munições aos seus grupos/organizações satélites, encarregados da missão de cercar Israel. Trata-se de inviabilizar que o Irã cumpra com seu próprio objetivo: o da destruição do Estado de Israel. O cessar-fogo será uma decorrência da ação militar israelense e americana bem-sucedida, salvo se a liderança islâmica vier a optar pelo culto à morte.

Do ponto de vista geopolítico, a mudança é importante. Os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, deixaram de tergiversar, o que vinham fazendo com Obama e a dupla Biden/Blinken, que se contentavam com o status quo, referendando a renúncia do Ocidente a enfrentar os seus próprios inimigos. Mostraram-se frágeis, algo percebido por seus opositores, acostumados que estão com o uso sistemático da violência. Pode-se mesmo dizer que os americanos tiveram medo, sentimento que uma grande potência não pode se dar ao luxo de ter, salvo se renunciar a ser potência.

Saliente-se, ainda, que o revide iraniano ao ataque chegou a ser constrangedor para um país que, até agora, se arrogava ser uma potência regional. Numa operação coreografada, lançou 14 mísseis a uma base americana no Catar, não sem antes ter avisado a esse país e aos Estados Unidos, que nem a julgaram digna de uma resposta militar de tão insignificante. O presidente americano agradeceu ironicamente o gesto. Criaram-se, assim, as condições diplomáticas para um cessar-fogo, agora sob a tutela e a coordenação dos Estados Unidos, que emerge, ao mesmo tempo, como guerreiro e pacificador. Na verdade, o Irã terminou indiretamente por confessar a sua fraqueza, implicitamente a sua derrota.

Os países árabes, de longa rivalidade com o Irã, apesar das declarações de crítica de praxe à “agressão” israelense, reconhecem, entretanto, que Israel esteja fazendo um trabalho que não souberam fazer. No fundo, estão se regozijando. Todavia, já se apressaram a criticar o ataque militar do Irã ao Catar, alinhando-se aos americanos e, indiretamente, aos israelenses. Os países árabes não possuem nenhum alinhamento automático aos iranianos. A clivagem étnica e religiosa entre persas e xiitas de um lado, e árabes e sunitas de outro, tende a se acentuar.

A reação europeia marca, por seu lado, um ponto de virada. Até então vinha se posicionando contra a conduta israelense em Gaza. No entanto, confrontada consigo mesma, assume que o problema colocado pelo Irã não é somente uma questão israelense, mas europeia e, de forma mais geral, ocidental. Países líderes como Alemanha, Reino Unido e França declararam com todas as letras ser inaceitável que o Irã possa possuir uma bomba atômica, constituindo-se numa ameaça mundial. Setor importante dos europeus está, assim, alinhando-se a Israel. O chanceler alemão, Friedrich Merz, o mais incisivo, chegou a declarar, em maio, que Israel estaria fazendo o “trabalho sujo” dos europeus, que não tiveram a coragem de fazê-lo. Pode-se considerar essa declaração um sobressalto do Ocidente.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS, Denis Lerrer Rosenfield escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação