14.07.25 | Mundo
“Aplaudir morte de civis, judeus ou árabes, é problema moral”
E, artigo em O Globo deste domingo (13), o analista de comunicação do Instituto Brasil-Israel e ativista do Movimento Negro João Torquato afirma que “o antissemitismo é frequentemente invisibilizado, opera em camadas, naturalizado, disfarçado de discurso político legítimo”. “O problema é estrutural. Assim como no racismo, que muitos só reconhecem quando se manifesta de forma explícita e individual, o antissemitismo é frequentemente invisibilizado. Opera em camadas, naturalizado, disfarçado de discurso político legítimo. Apesar das diferenças históricas e atuais, o mesmo mecanismo que faz uma pessoa branca achar que não é racista ao tratar uma pessoa negra como subalterna faz muita gente não enxergar o antissemitismo em suas próprias falas e posicionamentos, ainda que com histórias e consequências distintas”. Leia a seguir a íntegra do texto:
No dia 13 de junho, Israel decidiu atacar o Irã em resposta ao avanço de seu programa nuclear, que representava ameaça para o país e para toda a estabilidade do Oriente Médio. O Irã é o principal financiador de grupos terroristas em Gaza, Líbano, Iraque e Iêmen, além de ter sido a força por trás do ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023, que matou cerca de 1.200 israelenses.
Se a decisão de atacar foi manobra política de sobrevivência de Benjamin Netanyahu, é uma discussão legítima. Mas um fato é inegável: o regime fundamentalista e reacionário dos aiatolás representa uma ameaça real e concreta.
Como quase sempre acontece quando o assunto é Israel e os judeus, o antissemitismo saiu do esgoto. Em resposta aos ataques israelenses, o Irã bombardeou áreas civis na região metropolitana de Tel Aviv, incluindo hospitais no sul do país, resultando em 28 mortos e centenas de feridos. Muitos que se apresentam como guardiões da moralidade e defensores dos direitos humanos em Gaza celebraram o medo de civis israelenses correndo para os bunkers. Chamaram-nos de ratos. Transformaram a morte de judeus, e também de árabes israelenses, em símbolo de uma pretensa libertação da humanidade das amarras do capitalismo.
Quando confrontados com o evidente antissemitismo por trás desse discurso, muitos fogem, negam ou recorrem à velha desculpa:
— Não é antissemitismo, é antissionismo.
Qualquer um que ouse criticar tal inversão moral, mesmo quem condena com firmeza os ataques de Netanyahu a Gaza, passa a ser rotulado de “sionista”, equivalente progressista ao “você é comunista” da extrema direita.
O problema é estrutural. Assim como no racismo, que muitos só reconhecem quando se manifesta de forma explícita e individual, o antissemitismo é frequentemente invisibilizado. Opera em camadas, naturalizado, disfarçado de discurso político legítimo. Apesar das diferenças históricas e atuais, o mesmo mecanismo que faz uma pessoa branca achar que não é racista ao tratar uma pessoa negra como subalterna faz muita gente não enxergar o antissemitismo em suas próprias falas e posicionamentos, ainda que com histórias e consequências distintas.
A isso se soma o estereótipo de o judeu e o israelense serem vistos como brancos, europeus, de direita e colonizadores. Na cabeça de muitos, o que o Irã e o Hamas fizeram é uma espécie de reencenação da resistência francesa contra os nazistas ou dos partisans iugoslavos durante a Segunda Guerra Mundial.
Essa visão ignora, ou escolhe ignorar, que 20% da população israelense é árabe; que um dos mísseis iranianos matou quatro mulheres da mesma família na cidade árabe-israelense de Tamra; que grande parte dos judeus israelenses vem de famílias expulsas ou fugidas do Norte da África e do Oriente Médio; e que, em Israel, existe uma oposição ativa, diversa e corajosa contra a matança em Gaza e contra a atual coalizão de extrema direita.
Reconhecer isso não significa endossar crimes de guerra cometidos por Netanyahu, nem fechar os olhos para o sofrimento palestino. Significa apenas recusar o ódio seletivo. Porque, quando o aplauso à morte de civis, judeus ou árabes, se torna aceitável, o problema deixa de ser apenas político. Passa a ser moral.