15.07.25 | Brasil

“Lula põe Brasil em aventura ao aderir à acusação de genocídio contra Israel”

Em artigo no site UOL, o professor Wálter Maierovitch comenta a decisão do presidente Lula de aderir à ação na ONU promovida pela África do Sul, que acusa Israel de genocídio em Gaza. “Lula colocará o Brasil em posição ativa contra Israel, em matéria que é objeto de divergências entre juristas. No campo do direito internacional público, a tese de genocídio poderá não ser acolhida. Mas, para Lula, que tenta um protagonismo internacional perdido há tempo, importa a narrativa política. Esquece, no entanto, que está colocando o Brasil no processo”, adverte o professor. Leia a seguir a íntegra do texto:

Na política internacional, o presidente Lula busca protagonismo. Pegou embalo no último encontro do Brics ao externar o seu inconformismo com o governo de Israel e tipificou como genocídio as ações de força em Gaza. Para isso, aproveita os 30 anos do genocídio de Srebrenica e cogita, como informou a jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, colocar o Brasil como litisconsorte (parte processual) na ação promovida pela África do Sul.

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, justificou a ação: "Um dever moral, porque não podemos assistir a um genocídio acontecendo". Para muitos, como já destacado, tratava-se de uma medida eleitoreira do então presidente sul-africano, candidato à reeleição. Por ser do partido do saudoso Nelson Mandela, cobrava-se dele uma manifestação em defesa dos direitos humanos. Aí, aproveitou o cenário em Gaza.

Israel já contestou a ação. Na peça de defesa, o país grafou que as ações representam resposta aos ataques do Hamas e nunca tiveram a intenção de destruir, eliminar, o povo palestino.

É importante lembrar que Israel não reconhece a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI, um órgão distinto da Corte Internacional), por não haver subscrito a Convenção de Roma que o instituiu em 18 de julho de 1998. Ao todo, sete países não reconheceram a jurisdição do TPI quando a Convenção foi instituída: Israel, EUA, China, Índia, Turquia, Filipinas e Sri Lanka.

Como advogado de defesa, o premiê Benjamin Netanyahu designou, em janeiro de 2024, o jurista israelense Tal Becker, reconhecido internacionalmente. Espertamente, foi atrás de um jurista renomado, embora fizesse ele oposição ao seu governo. Quis demonstrar união de forças contra a pesada acusação de genocídio, depois do terrorismo do 7 de Outubro pelo Hamas.

Passado mais de ano da propositura da ação pela África do Sul, Lula parece estar resolvido colocar o Brasil no processo da Corte Internacional. Uma aventura - até porque a definição de genocídio, à luz do direito internacional, exige o dolo direito, a intenção. Diz a Convenção de 9 de novembro de 1948, aprovada por unanimidade: "Qualquer dos atos seguintes (relacionados) cometidos com a intenção de eliminar, no todo ou em parte”.

E o Brasil nessa

Lula colocará o Brasil em posição ativa contra Israel, em matéria que é objeto de divergências entre juristas. Deveria aguardar o julgamento da ação. Não agir em busca de "brilhareco" internacional. Entrar, aliás tardiamente, num conflito jurídico, de direito internacional.

É induvidoso haver Israel ultrapassado os limites da legítima defesa, após o ataque terrorista do Hamas. Crimes de guerra e contra a humanidade são bastante claros. Mas o genocídio, para a sua caracterização, exige vontade inquestionável de eliminação de um povo, de uma etnia. Em Gaza, o Estado de Israel, como anotou a defesa técnica, já promoveu a vacinação de crianças e não ataca para destruir palestinos na Cisjordânia.

Enfim, no campo do direito internacional público, a tese de genocídio poderá não ser acolhida. Mas, para Lula, que tenta um protagonismo internacional perdido há tempo, importa a narrativa política. Esquece, no entanto, que está colocando o Brasil no processo.

Churchill e Linken

Quando do término da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill, diante das atrocidades dos nazistas, discursou: "Os nazistas cometeram crimes tamanhos, e para tais condutas não existem nem definições legais".

Coube ao judeu polonês Rafael Linken criar a palavra genocídio. A definição de Linken acabou sendo adotada pela ONU através da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (9/11/948).

O elemento intencional, o chamado dolo direito, integra a tipificação, como acima mencionado. Sem dolo, intenção, não há tipificação do genocídio. Portanto, a discussão prende-se à intenção. Para Lula, Israel quer eliminar os palestinos. Pelo jeito, todos, e não só os do Hamas.

Srebrenica

Em Srebrenica, durante 15 dias no mês de julho de 1995, as mulheres bosníacas mulçumanas, cercadas e detidas, foram separadas dos homens e dos seus filhos. Primeiro foram estupradas e depois eliminadas barbaramente, algumas com cabeças cortadas.

Os homens foram executados, com balas e coronhadas. Por último, o general Ratko Mladic, um dos três "açougueiros dos Bálcãs", acariciou a cabeça de muitas crianças antes de dar a ordem para o fuzilamento de todas elas.

Em valas comuns acabaram sendo encontrados 8.372 corpos. Muitos outros ainda não foram localizados, e 1.534 permanecem sem identificação.

A tropa de capacetes azuis holandeses da Organização das Nações Unidas, encarregada por duas resoluções do Conselho de Segurança de proteger Srebrenica, não intercedeu. Ou seja, facilitou o massacre. As milícias servo-bósnias e as tropas do Exército sérvio, durante 15 dias, promoveram uma planejada "limpeza étnica”.

Os três carniceiros responsáveis pela elaboração e execução do plano genocida foram Radovan Karadzic, Slobodan Milosevic e Ratko Mladic. O general Mladic, após anos de fuga, foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.

Aos 83 anos de idade, Mladic, condenado à prisão perpétua por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, postula no momento junto ao Tribunal Penal Internacional (TPI) a concessão de medida humanitária em razão do seu precário estado de saúde. Seu filho Darko Mladic quer a sua transferência do presídio dos Países Baixos, onde existe uma seção para condenados pelo TPI, para a Sérvia.

Uma filha de Ratko Mladic, Anna, suicidou-se depois de saber do massacre comandado pelo pai: envergonhou-se a ponto de optar pela morte.

Milosevic, que foi presidente da extinta República Federativa da Iugoslávia e da Sérvia, faleceu de ataque cardíaco na prisão à qual foi recolhido por ordem do TPI no curso do processo.

Já Karadzic, ex-presidente da República Sérvia da Bósnia e dado como o principal mentor do genocídio e da execução do plano de massacres para a formação de uma sonhada Grande Sérvia, está preso. Durante os anos em fuga, usou vários tipos de ridículos penteados para não ser identificado.

Karadzic era psiquiatra e, na fuga, instalou-se em Belgrado com uma clínica de medicina alternativa. Aos 80 anos de idade, amarga também a pena de prisão perpétua.


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