15.07.25 | Mundo
“Violações de direitos humanos no Irã contrariam compromissos assumidos pelo próprio país com organismos internacionais”
Artigo de Ana Beatriz Prudente Alckmin aborda as violações dos direitos humanos no Irã e afirma que a prática não é ocasional, mas sim parte de uma política de Estado. “Além da pressão diplomática, muitos especialistas defendem o encaminhamento de casos concretos à Corte Penal Internacional (CPI), com base em crimes contra a humanidade, especialmente no que diz respeito à repressão violenta de manifestações, perseguições sistemáticas e execuções extrajudiciais". Leia a seguir a íntegra do artigo:
O governo da República Islâmica do Irã é amplamente denunciado por violações sistemáticas aos direitos humanos, conforme apontam relatórios da ONU, organizações internacionais e especialistas em direito internacional. Essas violações contrariam diretamente os compromissos assumidos pelo próprio país ao ratificar instrumentos jurídicos internacionais como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966, que assegura direitos fundamentais como liberdade de expressão, de religião, de reunião pacífica e o direito ao devido processo legal. O Irã também é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), embora viole reiteradamente seus preceitos.
Desde os anos 1980, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova resoluções anuais condenando a situação dos direitos humanos no Irã. Esses textos são baseados em relatórios do Relator Especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos na República Islâmica do Irã, que tem documentado execuções arbitrárias, repressão a protestos pacíficos, perseguição religiosa e censura sistemática. Em novembro de 2022, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, por meio da Resolução S-35/1, criou uma missão internacional independente de investigação, após a violenta repressão das manifestações geradas pela morte de Mahsa Amini, uma jovem morta sob custódia da chamada “polícia da moralidade”.
A repressão violenta de protestos pacíficos é uma prática recorrente do regime iraniano e viola diretamente os artigos 19, 21 e 22 do PIDCP. A morte de manifestantes, detenções em massa, o uso de munição letal contra civis desarmados e a censura da internet durante manifestações populares foram práticas documentadas pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR). Relatórios desse órgão também confirmam o uso sistemático da tortura e maus-tratos, o que constitui violação do direito internacional consuetudinário e dos princípios da Convenção contra a Tortura, mesmo que o Irã não seja signatário formal.
A pena de morte é amplamente aplicada no Irã, inclusive contra pessoas condenadas por crimes sem violência, como tráfico de drogas, blasfêmia ou “inimizade contra Deus” (moharebeh). O Irã está entre os países que mais executam pessoas no mundo, segundo a Anistia Internacional. Em muitos casos, os julgamentos ocorrem sem garantias processuais mínimas, o que fere os artigos 6, 7 e 14 do PIDCP. Há também relatos de execuções de menores de 18 anos, o que é estritamente proibido pelo artigo 37 da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Irã em 1994.
O sistema jurídico iraniano impõe uma legislação discriminatória contra as mulheres, contrariando normas internacionais mesmo sem ter ratificado a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). No entanto, os princípios dessa convenção refletem normas de direito internacional costumeiro e de jus cogens, ou seja, são normas inderrogáveis do sistema jurídico internacional. A obrigatoriedade do uso do véu, a inferioridade legal das mulheres em casos de herança, custódia de filhos, testemunho em tribunal e liberdade de mobilidade constituem uma estrutura estatal de opressão de gênero.
Além disso, o Irã promove sistemática perseguição religiosa, em especial contra a comunidade bahá’í, considerada herética pelas autoridades xiitas. Esses cidadãos são impedidos de frequentar universidades, de exercer determinadas profissões e de praticar seus ritos funerários. Também cristãos convertidos, zoroastristas e judeus enfrentam discriminação e vigilância constante. Essas práticas violam os artigos 18 e 27 do PIDCP, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), especialmente no que diz respeito à liberdade de pensamento, consciência e religião.
As minorias étnicas também são alvos de repressão e marginalização. Povos como os curdos, balúchis, árabes ahwazis e azeris têm suas línguas e expressões culturais reprimidas, e seus ativistas frequentemente acusados de "separatismo" ou "terrorismo", sendo submetidos a julgamentos secretos e execuções sumárias. Tais práticas violam a Declaração sobre os Direitos das Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas da ONU (Resolução 47/135) e a Convenção CERD, da qual o Irã é parte desde 1968.
O espaço cívico no Irã é extremamente restrito. Advogados, jornalistas, artistas, defensores de direitos humanos e líderes comunitários são perseguidos, presos e, por vezes, torturados. A censura à imprensa é institucionalizada, com controle rígido do conteúdo e bloqueio de sites e redes sociais. O Relator Especial da ONU sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão já afirmou que o ambiente de censura no Irã constitui uma violação grave do direito à informação garantido pelo artigo 19 do PIDCP.
As organizações internacionais com atuação ou monitoramento no Irã, como o OHCHR, a Comissão Internacional de Juristas, a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, denunciam que o padrão de violações do Irã não é ocasional, mas parte de uma política de Estado. Essas práticas configuram, sob o direito internacional, uma responsabilidade internacional contínua, segundo o Projeto de Artigos sobre Responsabilidade do Estado por Atos Internacionalmente Ilícitos, da Comissão de Direito Internacional da ONU. Isso justifica, inclusive, sanções e medidas diplomáticas multilaterais.
Diante desse quadro, cresce o apelo para que o Irã seja submetido a mecanismos mais firmes de responsabilização internacional. Além da pressão diplomática, muitos especialistas defendem o encaminhamento de casos concretos à Corte Penal Internacional (CPI), com base em crimes contra a humanidade, especialmente no que diz respeito à repressão violenta de manifestações, perseguições sistemáticas e execuções extrajudiciais. Embora o Irã não seja parte do Estatuto de Roma, há crescente debate sobre a possibilidade de se acionar a corte por meio de remessa do Conselho de Segurança da ONU, caso se reconheça a existência de crimes de competência internacional cometidos de forma generalizada e sistemática.