30.07.25 | Brasil
“Cresci em meio a uma cultura tanto árabe quanto judaica, entre as quais eu percebo muito mais semelhanças do que divergências”, diz presidente da FIRS
Em entrevista ao Histórias Reais da CONIB, a presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul (FIRS), a advogada Daniela Russowsky Raad, falou sobre a sua origem, sua trajetória na comunidade judaica, as relações da FIRS com autoridades, o aumento do antissemitismo no estado e sua forte conexão com o judaísmo. “Sou filha de uma família formada por uma parte de judeus que vieram da Bielorússia (atual Ucrânia, Moldávia) e se instalaram na região de Santa Maria, uma das primeiras colônias judaicas a se formar no Rio Grande do Sul. E depois de um tempo foram para Porto Alegre, onde meus pais se conheceram. Por parte de pai, a família tem uma origem um pouco diferente: são libaneses, cristãos maronitas. Meus avós vieram para o Brasil em 1948. Então eu vim de uma família com histórico bastante diverso, com uma cultura tanto árabe quanto judaica bem presente, entre as quais eu percebo muito mais semelhanças do que divergências”. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Trajetória na comunidade
Vivi num lar bastante judaico, com presença muito forte dos meus avós maternos, Boris e Clara, com meus pais me incentivando muito. Estudei minha vida inteira em escola judaica, no Colégio Israelita Brasileiro, que é a única escola judaica em Porto Alegre, e participei de movimento juvenil e de grupos de dança judaica. Depois, entrei na faculdade para cursar Direito e continuo trabalhando como voluntária para a comunidade. Comecei num grupo jovem da federação israelita a partir de 2009 e continuei me dedicando a essas atividades na comunidade, visitando Israel, fazendo cursos de liderança, de instrução, de educação, e assim fui me desenvolvendo dentro da comunidade judaica. Meu desenvolvimento pessoal está muito relacionado à comunidade. Desenvolvi muitas amizades que me agregam na vida profissional.
Depois de alguns anos, dentro desse grupo de voluntários da comunidade judaica na federação israelita eu me torno responsável por esse grupo de jovens, depois entro para a diretoria da federação, onde liderei um programa de educação e conscientização sobre segurança da comunidade, como sempre muito atenta a essa questão. E continuei me desenvolvendo em outras áreas, como a de relações institucionais, em que trabalhamos as relações com os governos estadual e municipal, e de combate ao antissemitismo.
Continuei nesse caminho até este ano de 2025, quando assumi como presidente da FIRS para uma gestão de dois anos.
Antissemitismo no RG do Sul
Infelizmente é muito comum vermos manifestações antissemitas hoje em dia, principalmente depois do 7 de outubro. O antissemitismo já existia, mas o que vimos é que ele veio à tona após o 7 de outubro. E vejo que isso não é de todo ruim, porque nos faz precisar lidar com essa questão de alguma forma. Então me parece que temos algumas formas de líder, mas a educação me parece um meio importante, porque grande parte da população, não tem o conhecimento necessário para identificar o que é o antissemitismo. Muitas vezes o preconceito é baseado no desconhecimento. E aí penso que podemos fazer um trabalho muito forte, através da federação israelita e de outras instituições, de educação e de conscientização. E, a partir do momento em que nos abrimos para o diálogo, isso cria empatia e as pessoas acabam entendendo o que está por trás desses discursos de intolerância.
Porém nem tudo se resume ao desconhecimento. Sabemos que o preconceito existe e que hoje o ódio aos judeus é manifestado de diversas formas. E essas manifestações de antissionismo são exemplo disso. E diante dessas manifestações precisamos agir com força e não tolerar a intolerância.
A comunidade gaúcha e a relação com autoridades
É uma relação histórica maravilhosa tanto com as autoridades, quanto com as comunidades e a sociedade maior. E uma das coisas que eu gosto muito de falar é sobre a comunidade judaica gaúcha – somos muito presentes em nossa identidade e temos muito orgulho disso, porque o Rio Grande do Sul foi o estado que acolheu os judeus que chegaram nas ondas de imigração organizadas. Então, isso é algo e ser valorizado, porque esse acolhimento permitiu que nos desenvolvêssemos enquanto comunidade e enquanto cidadãos, agregando para a sociedade maior, aprendendo, trocando e criando uma identidade muito própria. Então a comunidade judaica gaúcha é muito conectada com o estado e com a sociedade maior e isso é algo muito presente em todas as nossas ações.
Temos, por exemplo, a Campanha do Agasalho, o Yom Mitzvá, que fazemos em conjunto com a prefeitura de Porto Alegre. É uma ação da comunidade judaica gaúcha para toda a comunidade e que representa uma das maiores arrecadações do município.
Essa é a marca de nossas ações, de sempre agregar à sociedade maior, de acolher e de ser acolhido também.
Do ponto de vista de governo, temos, felizmente, voz ativa nos espaços públicos, como deve ser, porque todas as comunidades precisam ter e devem ter voz ativa dentro da sociedade em que atuam.
Por outro lado, infelizmente, depois do 7 de outubro de 2023, com o crescimento do antissemitismo, uma coisa que muito me preocupa é a institucionalização do antissemitismo. Enquanto não tivermos claramente definida qual a linha de corte entre um comentário, uma crítica válida, ou um diálogo aberto, a liberdade de expressão em si, e aquilo que é efetivamente antissemitismo, preconceito e racismo e que não pode ser tolerado continuaremos vendo reiterados discursos que incitam ao ódio, ao invés da colaboração e da coexistência, da agregação das comunidades. E aí vemos esses discursos em Câmaras de Vereadores, em Assembleias Legislativas servindo de palco para esses discursos. Por outro lado, temos também vozes muito fortes de discursos de colaboração e de defesa, efetivamente, dos direitos humanos e contra todo tipo de intolerância e discriminação.
Mensagem aos jovens que aspiram a liderança comunitária
Em primeiro lugar eu diria para terem muito orgulho da sua identidade judaica, da história, da tradição e dos valores que carregamos. Costumo dizer que temos muita sorte de sermos judeus. Eu me vejo dessa forma e me sinto sortuda por ter recebido esses valores da minha família. E quando olhamos para a comunidade judaica como um todo vemos que somos realmente uma grande família, com histórias e memórias semelhantes, valores comuns. Isso nos conecta e nos dá um poder que muitas vezes nem sabemos que temos.
Então eu diria aos jovens que esse é o primeiro passo, de se sentirem muito orgulhosos de sua identidade e dessa memória que já carregam consigo. É importante que valorizem esse legado. E se tiverem a vontade de ter essa voz ativa, seja como for, para dentro ou fora da comunidade, que aproveitem as oportunidades dentro da comunidade porque elas são inúmeras. É importante participar ativamente das atividades das instituições em cada fase da vida e se conectar com o judaísmo e com Israel. Que não percam as oportunidades de visitar Israel, de se envolver com as questões desse país e conhecer a nossa história, não apenas a história individual, mas a coletiva, como comunidade, inclusive a que construímos aqui no Brasil porque é muito rica de valores. A meu ver isso dá o sustento suficiente para se navegar tanto na vida comunitária, como na sociedade maior