04.08.25 | Brasil

“Inércia ou civilização?”

Em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo deste domingo (3), o escritor, médico, poeta e ensaísta Paulo Rosenbaum cita a frase de Albert Camus "O propósito de um escritor é impedir que a civilização se destrua" para comentar a Feira Literária de Paraty (FLIP), que abordou, de forma unilateral, o conflito em Gaza, com a participação de Ilan Pappé, um ferrenho crítico de Israel, em apresentação com mediação de Arlene Clemesha, professora da Universidade de São Paulo e conhecida por suas posturas anti-Israel. Leia a seguir a íntegra do texto:

Em uma feira de literatura em uma cidade histórica do Estado do Rio de Janeiro uma fala teve lugar. Um monólogo. Chamaram a isso de debate. Um debate no espelho. De um conhecido revisionista que milita em Israel, contra Israel. Do outro lado da mesa, ele mesmo. Uma metáfora auto evidente de como funciona a dialética de um homem só. Eventualmente, e sob remuneração, este conhecido sujeito costuma espalhar mundo afora o papo que desinforma.

Em um outro artigo tematizarei sobre a furiosa gana daqueles que instrumentalizam sua própria ascendência genética e cultural como um salvo conduto para vilipendiá-la. A premissa será: quem autorizou que um racista possa dirigir seu racismo contra sua própria raça e sair incólume pelo crime? O fato é que a coletânea de argumentos deste e de outros sujeitos viceja sob o mesmo corolário que vem sendo usado para deslegitimar Israel, o único País do povo do Livro.

Discutir cada um deles seria uma missão vasta demais para o presente artigo.

Como um efeito-cópia eles evocam a insustentável acusação de neocolonialismo, passando pelo revisionismo e descaracterização histórica - por exemplo de que os judeus nunca foram escravos no Egito -- para culminar na irresponsável mentira apical de que o holocausto foi uma fantasia superdimensionada. Isso tudo em meio a outros malabarismos subcientíficos e anti-historiográficos.

A plateia de um encontro tradicional de literatura aprecia ou contesta o debate de uma nota só? Depende. Depende do que o palestrante defende. A inércia com as teses intolerantes e racistas significa um "de acordo". O inusitado é que o déficit de honestidade intelectual não tem sido mais considerado uma aberração por muitas instituições acadêmicas e seus elementos.

Pelo contrário, através da chancela acadêmica podem vir a ser teses premiadas, especialmente se a ideologia estiver a serviço da causa, afinal um bene trovato pode acobertar uma boa causa.

Os ideólogos das lutas perdidas buscam recorrer ao desesperado recurso de que a "narrativa" os salvará da ribaldia. Como artimanha, já que não se pode substituir os fatos, eles podem ser remodelados e instrumentalizados de tal forma que, ao fim e ao cabo, qualquer traço do substrato original, vale dizer, da realidade da informação verdadeira, seja obliterada. 

É então que o abuso do conceito de narrativa começa como escrevi em outro recente artigo: "O uso da narrativa como falsificação da história".

 As acepções analógicas para a palavra "narrativa" incluem "périplo", "odisséia" e "fabulista", talvez estes achados tenham inspirado os manipuladores a se autorizar para criar ficções que substituam os eventos do mundo real. É uma luta dura e no momento, contra-hegemônica, mas é exatamente esta tendência que precisa ser denunciada e desmascarada. Expô-la a contrapelo do que o fervor militante vem insinuando.

Notem que, para além do tradicional ódio da extrema direita nacionalista, há uma novidade: quem se alinhou ao eixo dos devotos da cólera contra o Estado Judaico? Podem economizar perplexidade: o atual ímpeto filonazista tem sido impulsionado por uma parcela significativa daqueles que se auto intitulam progressistas (sic).

E o previsível resultado da campanha tem sido colhido pelo mundo. Uma lógica progressão da atitude antijudaica: complôs, assautointitulamrimes praticados contra individuos e coletividades ao redor do mundo.

Hoje é um dia de luto para o povo judaico, 09 de Av, marca a data da destruição dos dois templos em Jerusalém - com uma diferença de 6 séculos -- e a consequente dispersão dos judeus pelo mundo. Por isso, nesta data, pratica-se um jejum de 24 horas.

A reativação do sentimento antijudaico - com ou sem os álibis que se escondem atrás das palavras antissionismo e anti-israelismo -- chegou com a modernidade, e, mais recentemente, sob a pós-modernidade tardia. Sob distintos álibis e contextos, a lógica que os guia se tornou cada vez mais difícil de despistar: a necessidade de encontrar pretextos para forjar acusações contra o grande carrasco polivalente, aqueles que ostentam a estrela de David.

A marcha das ideologias vazias caminha junto com slogans e comentários. Ao procurar engajar massas ora desinformadas, ora possuídas pelo espirito da moda, o projeto locupleta-se com democracias populistas que instigam a intolerância.

Neste caso, minorias estridentes sentiram-se encorajadas a adotar os slogans e senhas para as várias modalidades de linchamento, empunhando cartazes raivosos, e dependendo da estação bombas incendiárias. E é assim que se obtém uma tolerância seletiva que serve ao propósito e que deu origem ao projeto: criar uma formula universal que funcione como um motor de unificação de todas as forças parasitas e ociosas, oriundas de uma geração convenientemente acrítica.

Mesmo que as guerras estivessem perto do fim, ainda assim seria um fim provisório, já que o os joules de ódio despejados no éter não podem mais ser ignorados. E, como nos momentos que precederam a segunda guerra mundial, há uma abundância de ameaças simultâneas onde a luta contra os judeus ocupa apenas o lugar de núcleo justificacionista, mero álibi para fustigar toda a civilização com intolerância e fanatismo.

Como sempre, há uma escolha a ser feita.

O inadiável chegou, será preciso assumir: inércia ou civilização?


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação