05.08.25 | Brasil
“A seletividade de narrativas de governos latino-americanos sobre direitos humanos“
Em artigo publicado no site Infobae, o presidente da CONIB, Claudio Lottenberg, analisa o posicionamento político de governos latino-americanos com relação ao conflito em Gaza e afirma que “a obsessão (de alguns países) por Israel contrasta com o silêncio em relação a reféns, ditaduras e genocídios culturais, revelando um viés preocupante e cada vez mais evidente”. Segue a íntegra do texto:
Neste mês em que o povo judeu marca o Tishá BeAv com jejum e luto — data que lembra as grandes tragédias da história judaica, como a destruição dos Templos de Jerusalém e séculos de exílio e perseguição —, é necessário clamar por clareza moral e política.
O que temos observado em diversos países latino-americanos, especialmente nos governos da Colômbia, Chile e Brasil, é um fenômeno preocupante: uma centralidade obsessiva do conflito israelense-palestino, desproporcional, descontextualizada e frequentemente instrumentalizada politicamente, enquanto outras graves crises humanitárias são ignoradas com um silêncio incômodo.
Não ouvimos desses mesmos governos uma palavra firme sobre os reféns israelenses que permanecem em cativeiro pelo Hamas em condições desumanas. Não vemos iniciativas consistentes contra genocídios culturais, como os sofridos pelos uigures na China. Nenhuma pressão diplomática está sendo exercida sobre a Venezuela, onde a democracia foi demolida, milhões foram forçados ao exílio e liberdades fundamentais foram eliminadas. Tampouco há solidariedade ativa com os ucranianos, vítimas de ocupação, deportações e crimes de guerra. Em todos esses casos, a reação tem sido de inação — quando não de conveniente neutralidade.
Ainda mais preocupante foi a reunião recentemente promovida pelo presidente colombiano Gustavo Petro, com a participação do presidente Lula, do Brasil, e do presidente Gabriel Boric, do Chile, sob o pretexto de liderar uma nova coalizão do "sul global".
Em vez de promover um projeto regional de crescimento econômico, inclusão social e fortalecimento democrático, a reunião foi usada como plataforma para um discurso ideológico de confronto, focado em críticas desproporcionais a Israel, em vez de soluções para os profundos desafios internos de seus próprios países.
Soma-se a isso a reaproximação com a África do Sul, país que hoje se apresenta como um farol dessa cruzada anti-Israel, mas que infelizmente não representa mais o espírito da luta contra o apartheid, mas sim um modelo de degradação institucional, corrupção estrutural e uma tentativa de desviar a atenção de suas crises internas por meio de uma projeção internacional artificial de liderança moral. Essa aliança é um erro de julgamento — e uma prioridade equivocada.
Como alguém que realmente acredita em um mundo mais justo e pluralista, envergonho-me de ver líderes latino-americanos optando por alianças retóricas e seletivas em vez de construir pontes concretas rumo ao desenvolvimento, à equidade e à coerência na defesa dos direitos humanos.
Nesse mesmo contexto, é preocupante o progressivo distanciamento do Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) — organização intergovernamental dedicada ao combate ao antissemitismo e à preservação da memória do Holocausto. Num momento em que o antissemitismo também está em ascensão no Brasil, frequentemente no cotidiano, nas escolas, nas redes sociais e até mesmo em espaços institucionais, seria de se esperar que o país estreitasse seus laços com mecanismos internacionais de combate ao ódio. Afastar-se dessa agenda não é apenas um erro diplomático: é um sinal simbólico profundamente falho.
A definição de antissemitismo proposta pela IHRA — adotada por dezenas de democracias — não censura críticas legítimas ao governo israelense. Pelo contrário, estabelece critérios para garantir que o debate político não leve à desumanização, à negação histórica ou à discriminação religiosa. Desconsiderar essa definição facilita a normalização do preconceito.
A inconsistência na América Latina é evidente hoje. Muitos governos que se autoproclamam progressistas silenciam diante de ditaduras, ignoram genocídios, minimizam as liberdades e concentram sua narrativa exclusivamente em Israel — o que revela, no mínimo, um viés ideológico e, em muitos casos, antissemitismo disfarçado de retórica humanitária.
Tisha B'Av nos lembra que as maiores destruições da história não foram causadas apenas por forças externas, mas também por inação interna, covardia moral e silêncio cúmplice. É hora de afirmar claramente: os direitos humanos não podem ser manipulados para atender a necessidades ideológicas. Eles são universais ou hipócritas.
A América Latina precisa recuperar sua integridade moral. E o Brasil, em particular, deve reafirmar que não será cúmplice de ódio, revisionismo ou negacionismo — seja contra judeus ou qualquer minoria. Defender a memória, adotar definições claras e rejeitar a banalização do antissemitismo não é uma causa comunitária: é um imperativo civilizacional.