14.08.25 | Mundo

“O triunfo do ódio”

Em artigo publicado em O Globo nesta quinta (14) a jornalista e escritora Cora Rónai comenta as consequências da guerra em Gaza, com o aumento do antissemitismo no mundo e a crise humanitária na região e avalia que o grupo terrorista Hamas saiu vitorioso no seu objetivo de trazer a questão palestina para o centro das atenções mundiais e de enterrar de vez as chances de paz entre Israel e os países árabes. Leia a seguir a íntegra do texto:

Benjamin Netanyahu diz que ocupar Gaza é a melhor forma de acabar com a guerra: ele entende que só assim o Hamas será derrotado. Benjamin Netanyahu está, mais uma vez, equivocado. O Hamas ganhou essa guerra há tempos, no instante em que o ataque de Israel a Gaza deixou de ser defesa e passou a ser vingança. Quando aconteceu isso? Não sei — nem sei se é possível estabelecer esse momento. Mas ele se torna óbvio a partir das imagens de Gaza em ruínas, da população acuada e faminta, da vida cotidiana destruída por todo o território.

Era isso que o Hamas queria em 7 de outubro de 2023: despertar uma reação furiosa e obsessiva, que trouxesse a Palestina para o centro das atenções mundiais, e que enterrasse de vez as chances de paz entre Israel e os países árabes.

Conseguiu tudo isso, e mais.

Hoje Israel é pária entre as nações, alvo de um ódio universal como nunca se viu. “Nunca se viu”, no caso, não é figura de retórica; é fato. Nunca se viu porque nunca existiu, antes, uma conjunção tão forte de preconceito (contra os judeus), por um lado e, por outro, de justa indignação (contra o Estado judeu).

Na esteira dos horrores de Gaza, o pior antissemitismo foi liberado.

Pessoas lindas enroladas em keffyehs dizem que é só antissionismo, sem perceber que este é um nome novo e limpinho para um sentimento antigo e imundo. Ser antissionista, no fim das contas, é negar aos judeus o direito à sua única terra.

A comoção com Gaza é mais do que compreensível. O que chama atenção, no entanto, é a sua natureza singular. Conflitos igualmente brutais — Chechênia, Crimeia, Síria, os campos de prisioneiros dos uigures, o massacre dos rohingya, as guerras esquecidas da África — jamais mobilizaram a mesma adesão emocional, a mesma cobrança absoluta.

Dois mil anos de doutrinação cristã não desaparecem em meia dúzia de anos. Nenhum dos países envolvidos nos outros conflitos tem o mesmo poder simbólico de Israel. Nenhum ocupa uma terra bíblica com um povo que foi sistematicamente estigmatizado, ao longo dos séculos, pelas mais altas autoridades eclesiásticas.

A resposta global à guerra em Gaza não nasce só da indignação despertada pelas notícias que vêm de lá, mas também da longa sedimentação do ódio, da decantação de um ressentimento que atravessa os tempos. O que estamos vendo não é apenas solidariedade à Palestina. É também uma catarse coletiva contra Israel.

É horrível testemunhar isso daqui: de um lado, o antissemitismo mais primitivo, agora liberado, modernizado e travestido de discurso progressista. De outro, a conduta de Israel em Gaza: desproporcional, cínica, imoral.

Hoje há uma geração de judeus que se sente órfã, sem espaço nos campos de protesto e sem voz nas suas comunidades. Gente que cresceu acreditando em Israel como abrigo, mas que não reconhece o seu governo fundamentalista e brutal. Gente que quer paz, que quer dois estados, que é contra a guerra e os assentamentos. Gente que vê bandeiras da Palestina em todas as esquinas e se pergunta se ainda pode sair com uma estrela de Davi no peito sem ser vista como inimiga da Humanidade.

A guerra é insuportável. O antissemitismo é insuportável. Para quem tem alguma raiz nessa história, o tempo presente é uma ferida aberta que não vai cicatrizar nunca.


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