18.08.25 | Brasil

“A banalização contemporânea do crime de promoção do terrorismo”

Os advogados Octavio Aronis, Andrea Vainer e André Rosengarten analisam, em artigo no site Conjur, o aumento do antissemitismo no Brasil após os ataques de 7 de outubro de 2023 a Israel e o que dizem as leis brasileiras com relação a atos terroristas. Leia a seguir a íntegra do texto:

A discriminação contra judeus aumentou substancialmente após o ataque terrorista do Hamas ocorrido em 7 de outubro de 2023. Depois disso, o número de discursos de ódio e atos violentos contra o povo judeu cresceu de forma assustadora no mundo todo, mostrando um aumento preocupante do antissemitismo em escala global.

Desde o início da guerra, passou a ser comum utilizar um suposto discurso de defesa dos direitos humanos como verdadeira desculpa para apoiar grupos extremistas, terroristas e fundamentalistas como o Hamas e o Hezbollah. Esse tipo de postura vem se tornando recorrente.

Vimos manifestantes na avenida Paulista vendendo roupas e acessórios ligados a grupos terroristas e cantando palavras de apoio à violência. Além de atacar a comunidade judaica, essas ações também ofendem e colocam em risco mulheres, pessoas LGBTQIA+ e vários outros grupos vulneráveis.

Por essa razão, importante salientar que além de praticarem o crime de racismo (artigo 20, da Lei 7.716/89), os incitadores e promotores desses grupos extremistas e terroristas também podem incorrer na prática de crimes relacionados à Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016).

Antes de tratar sobre os detalhes da Lei Antiterror e os crimes ali previstos, importante rememorar que a Constituição, primeiramente no artigo 4º, inciso VIII, proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios que regem as relações internacionais do país. No capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, o artigo 5º, inciso XLIII, considera terrorismo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Rio-2016

Em razão da exigência dessa base constitucional, no contexto da realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016, foi promulgada a Lei nº 13.260, que disciplina o terrorismo, destinada a definir, prevenir e reprimir atos de terrorismo no país.

A lei brasileira definiu o terrorismo em seu artigo 2º da seguinte maneira: o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

O parágrafo 1º do referido artigo especifica diversas condutas que são caracterizadas como atos terroristas.

De igual modo, do ponto de vista estritamente jurídico penal, todas as condutas perpetradas, por exemplo, pelo Hamas no dia 7 de outubro em Israel, são criminosas e se enquadrariam nos termos do artigo 2º da Lei Antiterrorismo, não havendo dúvidas quanto à classificação e nem da adjeta conduta como partícipe e ou coautor de quem fomenta, apoia, estimula ou coopera com terroristas.

Inclusive, relevante citar que, à título de precedente, que no dia 21 de junho de 2024, a Polícia Federal reteve no aeroporto de Guarulhos um integrante do grupo terrorista Hamas, e a Justiça Federal determinou a extradição do terrorista para a Malásia [1]. O extraditado integra a lista de pessoas envolvidas com terrorismo do FBI e de outras políticas internacionais e é um dos principais porta-vozes da organização terrorista. A Polícia Federal justificou a retenção do integrante do Hamas nos seguintes termos:

“As informações recebidas dão conta de que “MUSLIM ABU UMAR, Palestino, nascido em 1986 é um operativo militar do Hamas, chefe da Organização Cultural Palestina. ABU UMAR trabalha no escritório da Cisjordânia na Turquia, que é o braço executivo do Hamas.” (…) Foi identificado em relação ao indivíduo estrangeiro um registro no TSC1 (“Terrorist Screening Center”). Em apertada síntese, essa base de dados contém informações sobre pessoas com comprovado envolvimento com terrorismo e sobre pessoas sobre as quais recaem fundadas suspeitas, baseadas em informações confiáveis de inteligência, de envolvimento com organizações e/ou atividades terroristas. Em pesquisas realizadas em fontes abertas, foram encontrados elementos que corroboram a vinculação de MUSLIM ABUUMAR com o grupo HAMAS, tendo sido identificado nas fontes abertas como um “operativo” e membro do “gabinete internacional” do grupo.  (…). Com vistas a impedir a entrada em território nacional de pessoa suspeita de vinculação com atividades ou organizações terroristas, esta DETER/CGCINT/DIP adotou procedimento padrão nesses casos, procedendo à inclusão do nome de MUSLIM ABU UMAR no STI-MAR – Sistema de Alertas e Restrições da Polícia Federal, como impedido de ingressar no país. Os demais indivíduos que viajavam no mesmo grupo também foram impedidos, o que é praxe em casos de impedimento. Todos os viajantes tiveram, também, registro de impedimento de entrada no país inserido no sistema STI-MAR por outra unidade da Polícia Federal, qual seja, a Coordenação-Geral de Migração, vinculada à Diretoria de Polícia Administrativa da PF.”

Fato é que quem apoia e promove um grupo terrorista, comete o crime de promoção do terrorismo, previsto no artigo 3º, caput, da Lei 13.260/2016.

Incide neste crime aquele que “promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista”, com pena prevista de cinco a oito anos de reclusão, e multa.

Sobre o tema, importante mencionarmos que na denominada “operação trapiche” [2], deflagrada pela Polícia Federal no final de 2023 e que desarticulou um grupo que planejava executar ataques terroristas contra alvos judaicos no Distrito Federal, a magistrada que presidiu o processo foi precisa ao esclarecer que “um grupo de três ou mais indivíduos que cometem atos de violência e ameaça de violência, por motivações de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, etnia e religião, em especial dirigidos contra pessoas identificadas como judeus e/ou cidadãos israelense, comprometendo a segurança de indivíduos, propriedades, paz e incolumidade púbicas, é, de forma indene e de qualquer dúvida, enquadrado, segundo a legislação brasileira, como grupo terrorista”.

A magistrada ainda enfatizou que “o terrorismo praticado por organizações terroristas, como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico ( e também o Hezbollah, pelo seu braço armado, como será visto adiante), transformou-se em um movimento político mundial que se disseminou planetariamente em células independentes, que praticam atentados em nome delas. Essas células, ainda que independentes, tento na sua forma de organização como em sua operacionalidade, guardam consigo uma identidade: o radicalismo”.

De igual modo, é importante mencionar que na “operação hashtag”, deflagrada em 2016 às vésperas dos Jogos do Rio de Janeiro contra uma célula do grupo terrorista Estado Islâmico do Iraque, o juiz que conduziu o caso fez importantes esclarecimentos sobre a Lei Antiterror, em especial o delito previsto no artigo 3º.

Para o magistrado, o verbo promover pode ter diversos significados: “Pode ter o sentido de ser a causa de algo, quanto de proporcionar os meios para que alguma coisa ocorra, assim como fornecer impulso para a sua realização, ou ainda expressar solicitação, a prática material de uma conduta, ou, ainda, fazer propaganda positiva de algo. Portanto, promover equivale a diligenciar, esforçar-se, elevar, fomentar, encorajar, estimular, impelir, incentivar, instigar, motivar, causar, criar, originar, produzir, executar, realizar, anunciar, difundir, propagar, propalar ou publicar”.

De acordo com o juiz:

“Os estados nacionais não apenas reconhecem a necessidade de se emprestar uma resposta penal aos atos executórios que caracterizam ações terroristas em si mesmas, como também aos atos preparatórios. Na mesma toada, àquelas condutas que, de qualquer forma, se destinem a estimular, banalizar e a disseminar as ideias sectárias criminosas de ódio, intolerância religiosa e violência exacerbada. O objetivo da prevenção geral do Direito Penal é atendido plenamente quando, para a proteção dessa espécie de bem jurídico, são incriminados atos anteriores às práticas propriamente terroristas, como mais comumente conhecidas (explosões, homicídios, agressões físicas, sequestros e dano ao patrimônio, dentre outras), tal como estabelecido no art. 2º, §1º da Lei nº 13.260/16. É nesse cenário que deve ser entendido o tipo penal do art. 3º da Lei Antiterrorismo brasileira.”

O magistrado também foi certeiro na seguinte afirmação:

“A promoção do terrorismo por intermédio da disseminação, da estimulação mútua e do compartilhamento dos seus ideais cumpre ainda duas finalidades fundamentais e altamente danosas para a convivência harmônica, pacífica e igualitária entre os seres humanos: convencer a audiência de que a causa é nobre e justificável e desumanizar as vítimas.”

Importante também mencionar que o crime de integrar organização terrorista é formal e independe de eventual congregação física entre o acusado e demais membros da organização terrorista, exigindo apenas que haja a convergência de vontades para se fazer parte de forma perene de uma organização terrorista. O dolo exigido é o genérico, não se exigindo especial fim de agir por parte do investigado ou acusado.

Nos termos do artigo 5º da citada lei, comete crime aquele que realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito. Aquele que recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua nacionalidade ou fornecer ou receber treinamento em país destinto daquele de sua residência ou nacionalidade também incorre em crime.

A realidade é que apoiar esses grupos extremistas e terroristas significa importar ao Brasil os discursos e as ações e modo de operação desses grupos, os quais legitimam e justificam ataques a civis em território brasileiro, a exemplo do que já ocorreu na Argentina na década de 90. Inclusive, vale pontuar que recentemente a Justiça argentina reconheceu que os atentados terroristas à embaixada de Israel e à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1992 e 1994, respectivamente, foram ordenados pelo Irã, tendo como autor o grupo terrorista Hezbollah.

A respeito disso, assim como já pontuado acima, é de notório conhecimento que a Polícia Federal deflagrou a “operação trapiche”, que desarticulou um grupo que planejava executar ataques terroristas contra alvos judaicos no Distrito Federal. O brasileiro acusado de ligação com o grupo terrorista Hezbollah foi condenado a cumprir, em regime fechado, mais de 16 anos de prisão, por integrar grupo terrorista e realizar preparativos para cometer atos de terrorismo [3].

Ao julgar os recursos de apelação interpostos pela acusação e pela defesa, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região manteve a condenação pela prática do delito de integrar organização terrorista (artigo 3º da Lei 13.260/2016), e absolveu o acusado pela prática do crime de realizar atos preparativos de terrorismo (artigo 5º, da Lei 13.260/2016). O processo ainda está em fase de recurso.

É fato que a aproximação e associação com grupos que promovem atos terroristas é de extrema preocupação, pois abre portas do nosso país a discursos extremistas, podendo motivar e encorajar ações violentas direta e indiretamente contra cidadãos brasileiros.

A Lei Antiterror é uma ferramenta importante para a segurança nacional, especialmente no contexto atual em que ameaças terroristas são uma realidade no território brasileiro.

Por fim e para que fique claro, de acordo com o arcabouço legal vigente, apoiar, promover e integrar organização terrorista é crime no brasil e pode desencadear consequências penais  severas aos autores deste tipo de delito.

Octavio Aronis é advogado, sócio do escritório Aronis Advogados. Formado pela Faculdade Metropolitanas Unidas. Habilitado no Curso de Extensão Universitária na Universidade da Califórnia (Ucla), em Los Angeles e no Curso de Especialização na Fundação Getúlio Vargas. Diretor da Confederação Israelita do Brasil (CONIB).

Andrea Vainer é advogada criminalista, sócia de Torres Falavigna & Vainer — Advogados. Formada pela Faculdade de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e Mestre em Direito (Master of Laws — LLM) pela Universidade de Chicago. Licenciada para atuar como advogada no Estado de Nova York. Diretora Jurídica da CONIB

André Rosengarten é advogado criminalista, integrante de Torres Falavigna & Vainer — Advogados. Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Comissão Jurídica da CONIB.


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