09.09.25 | Brasil
“O flerte de Lula com o antissemitismo”
Em artigo no Zero Hora, o jornalista Gabriel Sant'Ana Wainer comenta a recente declaração de Lula sobre o conflito em Gaza e afirma que “o presidente escorregou na diplomacia e entregou um preconceito antigo”. Leia a seguir a íntegra do texto:
Há falas que dizem mais sobre quem as pronuncia do que sobre o alvo a que se dirigem. A declaração de Lula na última sexta-feira (5), no SBT, é dessas. Ao afirmar que “a comunidade judaica brasileira deveria escrever uma carta para Benjamin Netanyahu”, o presidente não apenas escorregou na diplomacia. Entregou, sem querer, um preconceito antigo, uma suspeita permanente: a de que os judeus seriam, em essência, estrangeiros.
Ora, os judeus brasileiros são brasileiros. Seus filhos prestam vestibular, pagam impostos, servem ao Exército do Brasil, votam nas eleições e têm, como chefe de Estado, o presidente Lula, não o primeiro-ministro israelense. Reduzi-los a súditos de Netanyahu não é apenas uma injustiça, é uma desumanização. É tratá-los como uma massa uniforme, incapaz de discordar entre si, como se fossem correia de transmissão de um governo estrangeiro.
E o pior é que Lula sabe que não é assim. Sabe que existem dezenas de coletivos judaicos que criticam abertamente o governo israelense. Sabe também que, desde 7 de outubro, lideranças comunitárias pedem audiência com ele em Brasília e que o Palácio do Planalto fecha a porta, se recusa a recebê-las. O mesmo presidente que se recusa a receber judeus brasileiros agora se dá ao luxo de dizer o que eles “deveriam” fazer.
A hipocrisia fica ainda mais evidente quando notamos a assimetria do raciocínio. Lula não sugeriu que os 60 mil palestinos que vivem no Brasil escrevessem uma carta ao Hamas pedindo a libertação dos 48 reféns que continuam sendo torturados em Gaza. E nem deveria, porque assim como os palestinos brasileiros não respondem pelo Hamas, os judeus brasileiros não respondem por Netanyahu.
Mas quando se trata de judeus, o peso da palavra é outro. “Matar mulheres e crianças”, acusou Lula, fazendo uso de uma das mais antigas caricaturas antissemitas da história, agora reciclada no horário nobre da televisão. A Conib respondeu de pronto, lembrando o óbvio: a comunidade judaica é plural e diversa. A Federação Israelita de São Paulo foi além: registrou “preocupação”. Uma palavra diplomática para o que, no fundo, é indignação.
A fala de Lula não vai melhorar em nada a situação dos palestinos em Gaza e nem as relações diplomáticas do Brasil com Israel. Não vai salvar vidas, não vai abrir corredores humanitários, não vai trazer de volta os reféns. Mas contribui, aqui dentro, para acirrar divisões, reforçar estigmas e incentivar o antissemitismo.
O Barão de Itararé já dizia: de onde nada se espera, é de lá que não sai nada mesmo. Mas, nesse caso, saiu. Saiu a verdade que o presidente tenta disfarçar: sua obsessão não é com Netanyahu, não é com o Hamas, não é sequer com a paz no Oriente Médio. Sua obsessão é com os judeus.