“O papel dos judeus brasileiros” - Fundada em 1948, a CONIB – Confederação Israelita do Brasil é o órgão de representação e coordenação política da comunidade judaica brasileira.

09.09.25 | Brasil

“O papel dos judeus brasileiros”

Em artigo publicado no site UOL nesta terça (9), o presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), Marcos Knobel, e o diretor jurídico da instituição, Daniel Kignel, afirmam que “apenas aqueles decididamente mal-intencionados são capazes de negar, com desfaçatez e sem qualquer constrangimento, que os judeus em todo o mundo se encontram sob ataque”. “Para azar de todos nós, judeus, o número de pessoas capazes de realizar um contorcionismo argumentativo que lhes permite responsabilizar todos os judeus do planeta pelas atitudes do governo israelense é muito maior do que se poderia esperar em pleno século 21”. Leia a seguir a íntegra do texto:

E esse contingente avassalador de disseminadores de preconceitos e equívocos históricos encontrou no presidente do Brasil mais um porta-voz.

Como se fosse algo óbvio, trivial e absolutamente natural, Lula afirmou, durante entrevista ao SBT News, que a comunidade judaica brasileira deveria escrever uma carta ao primeiro-ministro israelense e acusá-lo de genocídio, em vez de defender um "criminoso" que assassina mulheres e crianças. Colocou, assim, sob responsabilidade de pouco menos de cento e vinte mil judeus que residem em nosso país, o dever de fazer a diplomacia que o governo brasileiro evidentemente desaprendeu - ou, pior, deliberadamente ignorou.

As ordens de nosso Chefe de Estado a nós, judeus brasileiros, foram claras: a carta a ser escrita e enviada às Autoridades israelenses deve ter por norte antagonizar com um governo estrangeiro, seguindo o roteiro de paixões e bordões dos quais o presidente gosta de fazer uso quando se trata do conflito em Gaza.

O antissemitismo é uma praga jamais superada. Como um vírus, altera sua forma para sobreviver aos desafios impostos pelas mudanças políticas, sociais e culturais de cada período histórico. Em um passado muito distante, era absolutamente natural defender que os judeus tinham crenças diabólicas que envolviam sacrifícios de crianças.

Em um passado não tão distante, era política de Estado em países da Europa classificar os judeus como sub-humanos que precisavam urgentemente passar por um processo de extermínio para garantir a sobrevivência do continente. Atualmente, quaisquer medidas militares tomadas por Israel justificam ataques diretos a judeus que residem na Austrália, França, Canadá, Estados Unidos ou Brasil. O ódio é o mesmo; o que mudou foi apenas o grau de vergonha de seus disseminadores.

Quando a comunidade judaica aponta o enorme equívoco dos discursos que responsabilizam todos os judeus do mundo por ações de Israel, a primeira linha de defesa dos fanáticos pela "globalização da intifada" é, justamente, afirmar que suas críticas são apenas ao governo israelense ou à própria existência do Estado - como se pregar pela extinção do único país Judeu dentre as quase 200 nações que compõem a ONU fosse algo absolutamente natural, quase intuitivo.

A entrevista de Lula é um exemplo concreto da mediocridade dessa desculpa. No fim, a fala do presidente serve de música aos ouvidos de todos os radicais que querem estigmatizar os judeus como um bloco único, com sede em Israel, mas com tentáculos que se espalham pelos quatro cantos do planeta.

Os judeus brasileiros não são israelenses. Os judeus brasileiros não votam em Israel. Os judeus brasileiros não residem em Israel. Os judeus brasileiros não estão em guerra. Nós, judeus brasileiros, vivemos no maior país da América do Sul, em muitos casos já há algumas gerações. Pagamos impostos; contribuímos com a sociedade maior em áreas como cultura, saúde, educação e lazer; nos orgulhamos de nossa nação, e somos tão brasileiros quanto os católicos, os evangélicos, os umbandistas e muçulmanos que aqui residem.

Não somos representantes de governos estrangeiros. Nossos direitos e deveres são para com o Brasil, e dentre esses direitos está o de cobrar nossos governantes para que ajam como tais. Para que honrem o poder que lhes foi investido por seus eleitores, dentre eles os judeus. Para que assumam seus compromissos domésticos e diplomáticos, e que arquem com as consequências de seus erros.

Se o presidente realmente acredita que os judeus brasileiros deveriam escrever uma carta ao governo de Israel para acusá-lo de genocídio, imagina-se que também entenda ser necessário que a comunidade palestina residente no país envie uma carta ao Hamas pedindo que que os governantes de Gaza libertem os 48 reféns que estão há mais de 700 dias em seus túneis.

Talvez o presidente Lula também possa sugerir que os descendentes de russos que aqui residem enviem uma manifestação escrita ao Kremlin solicitando o fim da invasão à Ucrânia. Quem sabe até mesmo, em uma próxima entrevista, Lula sugira que os iranianos no Brasil peçam ao regime dos aiatolás o fim da opressão às mulheres, à comunidade LGBTQIAP+ e ao financiamento do terrorismo mundial.

Enquanto o governo brasileiro não faz tais pedidos às outras minorias, cabe a nós relembrar que somos judeus, mas somos brasileiros. Nossas obrigações não envolvem diplomacia internacional, nem com Israel, nem com qualquer outra nação. Que o Itamaraty mande suas próprias cartas.


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