07.10.25 | Mundo
“Uma luz no fim dos túneis de Gaza”
Artigo de David Diesendruck, diretor e cofundador do Instituto Brasil-Israel (IBI), no jornal O Estado de S.Paulo desta terça (7) analisa o momento atual, com o plano de paz do presidente americano, e afirma que agora “talvez haja uma oportunidade para reabrir as portas de um diálogo construtivo e duradouro entre israelenses e palestinos”. Leia a seguir a íntegra do texto:
Após a chamada “guerra dos 12 dias” entre Israel e Irã, em junho deste ano, foi possível lembrar uma frase do diplomata norte-americano Richard Haass: “Diamantes podem durar para sempre, mas oportunidades estratégicas não. Elas precisam ser aproveitadas rapidamente.”
Naquele momento, parecia haver uma tempestade perfeita no Oriente Médio: a derrota do Hamas e do Hezbollah, a queda do regime sírio e a exposição da fragilidade militar iraniana. Tudo indicava uma oportunidade rara para uma negociação ampla que redesenhasse a geopolítica regional.
Israel conseguiu, com apoio dos EUA, desmantelar o eixo iraniano, incluindo, pela primeira vez, o próprio Irã além de suas milícias. Foi uma vitória reconhecida ainda que de forma implícita por vários países ocidentais e árabes, que viam Teerã como a principal força desestabilizadora da região.
Entretanto, como tantas vezes no passado, a oportunidade não foi aproveitada.
Em vez de avanços, a situação se deteriorou: a crise humanitária em Gaza se agravou, novos assentamentos foram aprovados na Cisjordânia, atentados voltaram a vitimar civis israelenses e mais uma operação militar foi lançada em Gaza. O sofrimento aumentou de ambos os lados. Israel conviveu não apenas com perdas humanas e materiais, mas também com crescente isolamento internacional e acusações de genocídio, boicotes acadêmicos e culturais, agressões a turistas e a frustração pela ausência de progresso na libertação dos reféns, mantidos há quase dois anos.
Foi nesse contexto que o presidente francês, Emmanuel Macron, lançou a campanha para o reconhecimento inédito da Palestina pelo G-7. Pouco depois, a Assembleia-Geral da ONU aprovou, por 142 votos a 10 e 12 abstenções, a chamada “Declaração de Nova York”, exigindo passos concretos rumo a um Estado palestino independente. Na prática, medidas de difícil implementação, mas que acentuam o distanciamento diplomático de Israel.
O jurista israelense Tal Becker traz uma reflexão central sobre estas iniciativas: a ordem das demandas.
Na proposta de Macron, o primeiro passo é o reconhecimento da Palestina. Só depois viriam a libertação dos reféns, a desmilitarização de Gaza e a exclusão do Hamas de sua futura gestão. Para Becker, essa cronologia equivale a entregar ao Hamas o protagonismo da criação do Estado palestino, sem exigências prévias como contrapartidas. Seria validar que a violência produz resultados, um precedente perigoso que outros grupos poderiam replicar.
Becker defende a lógica inversa: o reconhecimento da Palestina deve estar condicionado à libertação dos reféns e ao desarmamento do Hamas. Nessa ordem, o grupo deixa de ser “parteiro” de um novo Estado para se tornar o obstáculo a sua realização. Uma mudança significativa em relação à narrativa de Macron.
O jurista lembra ainda que nenhuma transformação será possível sem empatia com a sociedade civil israelense. O trauma de 7 de outubro permanece vivo: foguetes dos houthis continuam a cair, soldados seguem mobilizados, famílias estão destroçadas e as divisões políticas internas se aprofundam.
É nesse cenário que surge a proposta de Donald Trump, recolocando o ônus sobre o Hamas. O primeiro passo cabe a ele, com a devolução dos reféns e a entrega de suas armas. O plano, que reúne ideias discutidas no passado, mas desta vez com o peso do endosso norte-americano e de países árabes relevantes, também dialoga com preocupações legítimas dos israelenses. Ao mesmo tempo, não ignora o papel do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e de sua coalizão, cuja adesão será decisiva para qualquer avanço.
Difícil prever os desdobramentos. Mas talvez, desta vez, haja uma luz no fim dos túneis de Gaza, uma oportunidade para reabrir as portas de um diálogo construtivo e duradouro entre israelenses e palestinos, às vésperas de completarmos dois anos do fatídico 7 de Outubro de 2023.