03.11.25 | Mundo

“De novo, fingimos não ouvir os ecos do Holocausto”

Em artigo na Folha de S.Paulo desta segunda (3), a jornalista Nira Broner Worcman alerta que a “manipulação ideológica de hoje reverbera retórica que preparou o terreno para a maior atrocidade do passado” – o Holocausto. “Não é a história que falhou em ensinar; somos nós que nos recusamos a aprender!, afirma. Leia a íntegra do texto a seguir:

Há 80 anos, o mundo jurou que jamais permitiria que a barbárie voltasse a se apresentar com ares de legitimidade. O Holocausto —extermínio sistemático de milhões de judeus e outras minorias durante a Segunda Guerra Mundial— evidenciou as consequências catastróficas da tolerância ao ódio e à perseguição.

Registros históricos mostram que muitos estavam cientes do crescente antissemitismo e da perseguição a minorias na Alemanha e em países ocupados, mas permaneceram inertes ou minimizaram os fatos, permitindo indiretamente a escalada. E hoje —de universidades a Redações, de Parlamentos a organismos internacionais— testemunhamos um inquietante déjà-vu moral. Após o ataque surpresa do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, aqueles que deveriam defender a vida e a verdade se colocam ao lado do terror —seja ignorando, distorcendo ou aplaudindo os crimes cometidos.

O Holocausto não começou nos campos de extermínio. Começou antes: nas salas de aula, nos jornais, nas conversas de café, quando o ódio travestido de causa ganhou prestígio intelectual. Professores relativizaram, jornalistas "contextualizaram", políticos calcularam, e as instituições, guardiãs da ética e da razão, abraçaram a causa dos criminosos como se fosse legítima. O mesmo roteiro se repete, com os protagonistas de sempre atuando em um novo capítulo da história.

A cada massacre promovido por grupos terroristas, parte da imprensa se apressa em "explicar" o inexplicável, transformando vítimas em culpados e assassinos em militantes. Acadêmicos de prestígio organizam debates e publicações que apresentam o terror como resistência legítima, enquanto manifestos e artigos repetem slogans que relativizam o assassinato de civis.

Políticos de diversos espectros falam em "contexto histórico" ou "desigualdades" como justificativa para a violência. Órgãos internacionais de direitos humanos, incluindo ONGs renomadas como Anistia Internacional, Médicos sem Fronteira, Humans Rights Watch, Cruz Vermelha e entidades como a ONU, frequentemente tratam os terroristas como representantes legítimos dos palestinos, minimizando ou ignorando os crimes contra civis inocentes, israelenses e palestinos. Essa postura envia uma mensagem perigosa: legitima o ódio, normaliza a violência e enfraquece o conceito de justiça internacional, deixando claro que as vítimas podem ser esquecidas em nome de uma narrativa conveniente.

Os que hoje relativizam o terrorismo são herdeiros diretos da complacência que, na Europa dos anos 1930, legitimou o antissemitismo com linguagem acadêmica e jornalística. As palavras mudaram, mas o mecanismo é o mesmo. O discurso da "causa justa" serve de véu para o ódio, e a manipulação emocional substitui a razão. De novo, fingimos não ver —e fingimos em nome da "complexidade", como se o mal precisasse de mais nuances para ser reconhecido.

O mais perturbador é que essa cegueira não nasce da ignorância, mas da conveniência moral. É mais fácil defender um vilão popular do que sustentar a impopularidade da verdade. É mais rentável, politicamente e academicamente, aderir à narrativa do momento do que confrontar a distorção histórica. Assim, a mentira se torna virtude, o silêncio vira prudência, e a covardia ganha o nome de neutralidade. Cada ato de complacência atual reforça padrões de injustiça e cria precedentes que corroem os valores de uma sociedade inteira, comprometendo não apenas o presente, mas a memória e a ética das próximas gerações.

Há, porém, uma diferença fundamental entre os que erraram no passado e os que erram agora: nós sabemos o que veio depois. Temos fotos, testemunhos, museus, filmes, arquivos —e mesmo assim repetimos o mesmo erro moral, com plena consciência do abismo que ele anuncia. Cada omissão, cada relativização, cada aplauso silencioso aos terroristas nos aproxima da normalização do mal, tornando a repetição da tragédia não apenas possível, mas previsível.

O Estado de Israel surgiu como resposta histórica ao Holocausto, oferecendo um refúgio seguro aos judeus e preservando a memória de uma tragédia que jamais deve se repetir.

Não é a história que falhou em ensinar. Somos nós que nos recusamos a aprender.

Nira Broner Worcman - Jornalista, é diretora associada da agência de comunicação Art Presse; autora de 'Enxugando Gelo' (2025 - edição hors commerce), sobre a cobertura midiática da guerra entre Israel e grupos terroristas.


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação