04.11.25 | Mundo

“Rabin, 30 anos depois: a ferida aberta e o desafio da liderança”

Em artigo no jornal O Estado de S.Paulo desta terça (4), a ex-diplomata israelense e colaborada do Instituto Brasil-Israel Revital Poleg comenta os 30 anos da morte de Yitzhak Rabin e seus efeitos na sociedade israelense. “Trinta anos após o assassinato e dois anos depois do massacre de 7 de Outubro de 2023, aquela ferida ainda está longe de cicatrizar. A incitação e a polarização na sociedade israelense em torno desse tema, em grande medida alimentadas pelos próprios políticos, ressurgiram”. Leia a íntegra do texto a seguir:

Em 4 de novembro de 1995, o então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, foi assassinado a tiros disparados por um judeu-israelense, ao término da maior manifestação pela paz realizada até então em Israel, com a presença de mais de 400 mil pessoas vindas de todo o país.

O assassinato foi o resultado de uma campanha de incitação feroz contra ele e contra o processo de Oslo que Rabin conduzia. Naquela trágica noite, então, não foi assassinado apenas um primeiro-ministro, mas a esperança de paz. A história mudou de curso.

Trinta anos após o assassinato e dois anos depois do massacre de 7 de Outubro de 2023, aquela ferida ainda está longe de cicatrizar. A incitação e a polarização na sociedade israelense em torno desse tema, em grande medida alimentadas pelos próprios políticos, ressurgiram.

Diante da complexa realidade interna e do momento histórico em que se encontra o Oriente Médio, esta é uma verdadeira prova de fogo para a sociedade israelense, que há muito tempo sente falta do espírito de liderança ética, lúcida e corajosa de Rabin.

O Estado de Israel mudou profundamente, em quase todos os aspectos, nas três décadas que se passaram. Mais de 50% de seus cidadãos de hoje, ainda não haviam nascido em 1995. Os mais jovens crescem em uma realidade totalmente distinta.

A realidade que vivemos hoje carece, por um lado, da compreensão da coragem exigida dos líderes daquela época — Yitzhak Rabin e Shimon Peres — para conduzir uma mudança de paradigma nas relações entre israelenses e palestinos, uma transformação histórica que, infelizmente, foi interrompida antes de se consolidar; e, por outro lado, vivemos numa consciência coletiva israelense em que a possibilidade do assassinato de um alto líder político faz parte da realidade social e pode, potencialmente, voltar a ocorrer, como acreditam 52% dos israelenses, segundo pesquisa recentemente divulgada pelo Jewish People Policy Institute (JPPI).

O assassinato de Rabin foi o catalisador que impulsionou o crescimento significativo e a radicalização da direita em Israel, a expansão massiva dos assentamentos e o aprofundamento das aspirações de anexação dos territórios ocupados, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza. Ao mesmo tempo, marcou o início do enfraquecimento da esquerda israelense, que, em grande medida, não se recuperou de forma significativa até hoje.

Desde 2009, a política de Netanyahu, de “gestão do conflito israelense-palestino” em vez de “resolução do conflito” — e, em paralelo, a permissão para a transferência de fundos provenientes do Catar, que acabaram por fortalecer e armar o Hamas, cujas consequências trágicas foram vividas em 7 de outubro de 2023 e continuam até hoje — apenas aprofundou a crise de desconfiança entre Israel, a Autoridade Palestina e as duas sociedades em geral.

Enquanto isso, o acordo de segurança, fruto dos Acordos de Oslo, permaneceu praticamente como o único componente que sobreviveu a essas provações até os dias atuais. Do lado palestino, o terrorismo contra israelenses continuou a erguer muros de alienação entre as duas sociedades.

A atual formação do governo de Netanyahu, a mais radical que Israel já teve, agravou ainda mais essa realidade. Medidas drásticas que ameaçam a democracia, como a reforma judicial que ainda está em pauta, aliadas à incitação e à polarização social deliberadamente promovidas a partir do próprio governo, aprofundaram a divisão interna no país.

O fato de Netanyahu, até hoje, não ter assumido qualquer responsabilidade pelo fracasso de 7 de outubro e de se recusar a criar uma comissão de inquérito nacional para investigar os acontecimentos evidencia ainda mais o declínio de liderança em que Israel se encontra desde o assassinato de Rabin.

Vale lembrar que entre aqueles que hoje ocupam a liderança do país há muitos que, no passado, fomentaram a incitação contra Yitzhak Rabin, que culminou em seu assassinato. Entre eles estão Bezalel Smotrich, Itamar Ben-Gvir e o próprio Netanyahu, cuja imagem na sacada da Praça Zion, em Jerusalém, durante uma manifestação particularmente violenta e inflamável contra Rabin — um mês antes de 4 de novembro de 1995 — tornou-se, depois, um dos símbolos da incitação política que precedeu o assassinato.

Nesses dias, quando, na prática, o rosto do Oriente Médio se transformou, a guerra em Gaza terminou oficialmente, ainda que não tenha cessado totalmente na realidade, e o plano de Trump para um processo de reconciliação regional e uma mudança estratégica ampla está sobre a mesa, a questão da liderança israelense enfrenta um desafio especialmente difícil.

Diante disso, é impossível não sentir saudade do líder que compreendia as necessidades de segurança, mas também as limitações do uso da força, e que conduziu o Acordo de Oslo e a paz com a Jordânia com coragem e determinação, assumindo a responsabilidade plena pela preservação do futuro judeu e democrático de Israel.

Ao lembrar os 30 anos do assassinato de Rabin, questionamos: será que a atual liderança é capaz de carregar a coragem e o espírito que o marcaram, e escolher a luta pela paz em vez do conflito?

Revital Poleg é colaboradora do Instituto Brasil-Israel. Durante o processo de Oslo, conheceu Yitzhak Rabin enquanto atuava como diplomata no Ministério das Relações Exteriores de Israel, compondo a equipe do ministro da pasta, Shimon Peres.


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