25.01.23 | Brasil
Presidente de federada encerra gestão com uma série de conquistas em Santa Catarina
Eduardo Gentil encerrou suas atividades à frente da Associação Israelita Catarinense (AIC) com conquistas expressivas tanto dentro da comunidade judaica como no campo político, criando um comitê permanente de combate ao antissemitismo e ao discurso de ódio e mantendo contato constante com representantes do Ministério Público e da Polícia Civil para acompanhar o monitoramento de grupos neonazistas no estado de Santa Catarina, além de ter conseguido incluir Rosh Hashaná e Yom Kipur no calendário oficial do Estado de Santa Catarina. À CONIB, ele falou sobre as conquistas e desafios de sua gestão e deixou mensagem aos jovens aspirantes a lideranças comunitárias.
Trajetória na comunidade
A minha trajetória comunitária em Santa Catarina foi, acredito, bastante incomum, se comparada à maioria das lideranças sob o guarda-chuva da CONIB. Eu tenho, relativamente, pouco tempo na liderança comunitária catarinense. De fato, eu passei a participar das atividades da Associação Israelita Catarinense (AIC) em 2017 e, para mim, foi muito desafiador, uma vez que não moro na capital catarinense. Moro no sul do estado, a aproximadamente 140 quilômetros de Florianópolis. Por isso, desde o primeiro momento eu tive que ser muito organizado para cumprir essa missão e prover vida judaica para mim e para minha família.
Na segunda quinzena de 2020, em meio à pandemia de Covid-19, o meu amigo Sérgio Iokilevitc, então presidente da Associação Israelita Catarinense, me convidou para ser o vice-presidente da AIC no biênio 2021-2022, apostando, creio eu, na renovação das lideranças e na adoção de uma perspectiva judaica que melhor pudesse dialogar com a realidade naquele momento. Em 2021, o Sergio foi diagnosticado com um problema de saúde grave, que o levou a abdicar da presidência da AIC. Foi então que o tempo de preparação, que deveria levar alguns anos para que uma nova liderança assumisse, foi por água abaixo e, de maneira bastante singular, eu tive que assumir a presidência da comunidade judaica catarinense.
Desafios
Foi assim que assumi a presidência da AIC: em meio à pandemia e sem contato pessoal com as lideranças de outros estados, sabendo que essa troca de experiências conta muito, e o mais grave: tínhamos acabado de devolver a sede da AIC que até então era alugada, já que a pandemia levou a uma queda brutal nas arrecadações da associação. Resumindo: assumi a presidência da AIC em meio à pandemia e com todo o mobiliário da associação dentro de um container. Foi neste cenário que eu recebi a AIC.
Sabia que em meio a essa situação eu tinha que montar uma equipe e seguir com a associação e também sabia que havia uma torcida contrária ao sucesso da nova gestão. Afinal, quem era este estranho que ia assumir a AIC? Pelo meu sotaque já sabiam que não sou catarinense. Sou cearense. Então a minha primeira iniciativa foi conversar com as pessoas da comunidade, conhecer seus objetivos para, depois, montar um time, que partiria do pressuposto básico da descentralização. Para unir pessoas dentro de um grupo pequeno e diverso a liderança precisa entender que todos querem impor sua assinatura nos encaminhamentos. Então, neste sentido, o diálogo e a capacidade de resiliência são fundamentais.
Conquistas
Acho que as maiores conquistas do período em que estive à frente da AIC foram: a manutenção das atividades comunitárias em formato online durante a pandemia e a criação de uma newsletter. Esta última iniciativa, embora não tenha sido nova, foi um instrumento muito importante para prestar contas aos que estavam contribuindo mensalmente com a associação e para que soubessem que a AIC estava viva e atuante. A segunda conquista, que é uma das minhas maiores alegrias, é que conseguimos adquirir uma sede própria para a comunidade. Então saímos do container para uma sede própria. Tivemos uma assembleia geral extraordinária e em março de 2022 adquirimos uma cota proporcional do CNPJ do espaço em que se encontra a sede da associação. Após a conclusão e entrega deste prédio empresarial, foi iniciado o processo de individualização das mátriculas dos imóveis e a escritura pública do imóvel que hoje abriga a sede da AIC foi emitida em menos de um mês. Após a individualização das matrículas, imóveis com as mesmas dimensões e no mesmo edifício já tiveram uma valorização de 60%, entre março, quando houve a assembleia geral extraordinária, e dezembro de 2022, o que significa um ganho substancial de capital, embora imobilizado em patrimônio, para a AIC em nove meses. É claro que esta conquista não é pessoal, é fruto da competência de administrações anteriores e do comprometimento dos colegas que compuseram a gestão 2021-2022.
Quero também destacar que nesse período houve a manutenção e ampliação das atividades na associação. A AIC passou a ter um curso de cultura e religiosidade judaica, bem como de arkadot (danças típicas) e de hebraico moderno. Também ampliamos a rede de professores para capacitar os nossos jovens para o bar e bat mitzvá e criamos uma escola complementar para crianças de 3 a 9 anos. Em Santa Catarina não há escola israelita e penso ser pouco provável que em pouco tempo haja uma escola nesses moldes, porque não há interessados em número suficiente, o que não significa que as crianças só terão acesso a ensino judaico quando forem se preparar para o seu bat ou bar mitzvá. Por isso criamos essa escola complementar para crianças de 3 a 9 anos.
Além disso, fizemos também uma nova edição do sidur de Cabalat Shabat, em formato digital, com formatação mais moderna e com inserções que não estavam contempladas na edição anterior.
Também conseguimos incluir Rosh Hashaná e Yom Kipur no calendário oficial do Estado de Santa Catarina. Essas conquistas foram alcançadas depois de sucessivos diálogos, visitas à Assembleia Legislativa e a formatação de uma lei estadual. Com o apoio do então deputado Felipe Estevão (União Brasil), a lei foi aprovada e, embora não tenha sido possível assegurar feriado ou ponto facultativo para essas datas, a simples aprovação da lei marca no âmbito político a presença judaica em Santa Catarina. Me orgulho também de ter participado da reforma do estatuto da AIC, que passou por revisão criteriosa após 17 anos de vigência do documento anterior.
Outra conquista: trouxemos na gestão 2021-2022 uma referência rabínica. Desde de dezembro de 2021 o rabino Guershon Kwasniewski está conosco.
Ampliamos também as ações de combate ao antissemitismo e criamos um comitê permanente de combate ao antissemitismo e ao discurso de ódio. Lamentavelmente o nosso estado consta como o que mais possui células neonazistas e, para enfrentar esse problema, passamos a promover palestras em escolas e realizar encontros com os responsáveis por fazer o monitoramento dessas atividades em Santa Catarina, como lideranças do Ministério Público e da Polícia Civil.
Penso que o grande desafio das pequenas comunidades, como a AIC, é encontrar o tamanho ideal que nela cabe. Não podemos comparar essas pequenas comunidades com as grandes, porque somos limitados pelo número de pessoas e de recursos. E o que fizemos nessa gestão foi empoderar nossas lideranças, ou seja, continuamos como uma comunidade pequena, mas fazendo muito mais barulho.
Presença judaica no estado
A presença judaica em Santa Catarina existe há cem anos e dados indicam que teve início na cidade de Blumenau. O livro Saga Judaica na Ilha do Desterro traz dados sobre a presença judaica no estado e sua movimentação, principalmente no período pós Segunda Guerra. Mas a comunidade cresceu após os anos de 1980 e partir da chegada de migrantes que vieram, principalmente, do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Inicialmente, esse grupo de judeus realizava as festividades nas casas uns dos outros e em junho de 1990 eles formalizaram a formação de uma comunidade, a partir da criação da Associação Israelita Catarinense, na cidade de Gravatal. Essas pessoas não vieram para cá com a intenção de formar uma comunidade, vieram para ficar perto de praia, mas isso não diminui a importância de seu empenho na criação de uma comunidade. Então a grande maioria dessas pessoas está espalhada pelo litoral, com uma concentração maior em Florianopólis. Portanto a AIC está caminhando para completar seus 33 anos de existência, com a leveza da juventude e a temperança da fase adulta. Segundo nossa base de dados temos atualmente cerca de 500 judeus em Santa Catarina.
Origem
Sou natural de Fortaleza. Saí do Ceará há 15 anos para cursar doutorado. Sou de origem sefaradita ibérica, mas nasci num ambiente relativamente laico. A religiosidade nunca fez parte do meu núcleo familiar primário. Passei a ter contato mais estreito com o judaísmo através de um amigo, quando morei e estudei no interior de São Paulo, na cidade de São José dos Campos.
Em 2015, quando minha esposa engravidou e eu liguei para esse amigo para dar a notícia e, na ocasião, após me parabenizar, ele me perguntou: E agora? Agora, eu respondi, é seguir adiante, tocar a vida. E ele me lembrou que na prática é judeu quem tem filho judeu. Portanto, se meu interesse fosse manter a tradição, eu precisaria criar um ambiente que pulsasse isso como realidade. Então a partir desse ano eu passei de maneira ativa a contatar grupos e estudar de forma sistemática com amigos no Brasil e no exterior através de recursos digitais. Então todo o retorno a minha essência familiar se deu através desses estudos ao logo do tempo. Se eu fosse resumir eu diria que em determinado momento de minha vida um amigo muito querido me sugeriu que a tradição judaica seria uma ótima forma de dar um lar para os meus filhos. E eu segui este conselho e, de fato, ele estava certo.
Mensagem aos jovens
A principal mensagem que eu poderia deixar aos jovens que buscam seguir nas lideranças comunitárias é: não façam do judaísmo um pretexto para seguir um ideal, não se apegue àquilo que nos afasta, mas busque os pontos de convergência. Apague a palavra tolerância do seu calendário e inclua a palavra respeito. A Torá é única. Contudo, as pessoas se aproximam dela de formas muito distintas. Assuma as responsabilidades da comunidade sem que isto lhe seja um fardo, mas sim uma oportunidade única de aprendizado. Para isso, você irá precisar trabalhar em equipe e de maneira descentralizada, ouvindo atentamente os conselhos dos bons amigos que são mais experientes. Fazendo isto você irá naturalmente ter a sensibilidade que precisa para tomar decisões sóbrias, evitando comparações fúteis. Sua comunidade pode até permanecer pequena, mas certamente ela fará muito barulho. Acredite! Digo isto por experiência própria. Aguardo pelos bons frutos.