07.01.24 | Mundo
“Decisões da Suprema Corte reforçam o caráter democrático de Israel”
Editorial de O Globo destaca duas decisões adotadas pela Suprema Corte de Israel na última semana que reforçam o caráter democrático do país. Segue a íntegra do texto:
A Suprema Corte israelense desviou nesta semana a atenção do país da guerra que aflige a Faixa de Gaza. Em duas decisões, o tribunal liquidou a reforma do Judiciário que o premiê Benjamin Netanyahu tentava promover para ampliar os poderes do Executivo e reafirmou o caráter democrático do Estado de Israel.
A segunda decisão terá impacto político imediato. A Corte determinou que a lei impedindo o procurador-geral de declarar um primeiro-ministro inapto para o cargo só poderá valer depois das eleições previstas para 2026. Com isso, mantém-se sobre Netanyahu a ameaça de condenação nos processos por corrupção a que responde. Fracassou, portanto, a tentativa de ele se livrar usando sua maioria parlamentar para tolher o alcance da Justiça.
A primeira decisão é, contudo, mais relevante. Por oito votos a sete, a Corte anulou outra lei aprovada pelo Parlamento controlado por Netanyahu, suspendendo o critério usado pelo Judiciário há décadas para decidir se pode julgar medidas do Executivo ou de autoridades. Conhecido como “doutrina da razoabilidade”, tal critério autoriza os tribunais a cancelar medidas que não sejam consideradas razoáveis. Já foi usado em diversas situações, sobretudo para garantir direitos civis num país que não tem Constituição formal, onde cidadãos dependem de leis aprovadas no Parlamento — as Leis Fundamentais — para as liberdades básicas.
Com base na doutrina da razoabilidade, a Suprema Corte ordenou, em 2007, o Estado a proteger todas as salas de aula ao alcance dos foguetes lançados da Faixa de Gaza, e não apenas aquelas que o Ministério da Defesa julgava mais vulneráveis. Mais recentemente, ela foi empregada para impedir a indicação de um ministro por Netanyahu, sob a justificativa de que ele fora condenado por fraudes fiscais.
Antes de restaurar a doutrina, a Corte decidiu por ampla maioria (12 dos 15 juízes) que, em casos excepcionais, ela tem o poder de julgar Leis Fundamentais e de invalidá-las, desde que entrem em choque com pilares da democracia, como a separação dos Poderes, as liberdades civis ou o primado da lei.
Sempre haverá quem veja nessa ação do Judiciário um avanço sobre as prerrogativas democráticas do Parlamento, formado por representantes eleitos. Mas o Estado de Israel tem características institucionais peculiares. Na prática, como em todo regime parlamentarista, Executivo e Legislativo formam um Poder unívoco. A Presidência da República é um cargo apenas cerimonial. Resta apenas o Judiciário para contrabalançar eventuais investidas autoritárias de quem ocupa o poder.
A ex-presidente da Suprema Corte Esther Hayut proferiu nos dois casos seus últimos votos antes de se aposentar. Ela fez questão de refutar acusações de que as sentenças voltariam a dividir o país, unido pela guerra contra o Hamas. “Mesmo neste momento difícil, a Corte deve cumprir seu papel e se pronunciar sobre as questões que lhe foram trazidas”, afirmou. “Ainda mais quando dizem respeito a características essenciais da identidade de Israel como Estado judaico e democrático.”