“Estado terrorista”: em decisão histórica, Justiça da Argentina responsabiliza Irã por atentados à embaixada israelense e à AMIA - Fundada em 1948, a CONIB – Confederação Israelita do Brasil é o órgão de representação e coordenação política da comunidade judaica brasileira.

12.04.24 | Mundo

“Estado terrorista”: em decisão histórica, Justiça da Argentina responsabiliza Irã por atentados à embaixada israelense e à AMIA

A Câmara Federal de Cassação Penal da Argentina, órgão de mais alta instância criminal do país, declarou em sentença histórica que os atentados à embaixada de Israel (1992) e à AMIA (1994) foram resultado de decisões políticas e estratégicas do Irã, executados por terroristas do Hezbollah. A decisão ainda classifica o país como “Estado terrorista” e os atendados como crimes contra a humanidade. Confira a reportagem do jornalista Carlos Savoia, publicada no Clarín, na íntegra:

Uma notícia que acaba de ser forjada no primeiro andar da Avenida Comodoro Py, nº 2002, onde funciona a justiça federal de Buenos Aires, terá um impacto global que mal pode ser vislumbrado : em decisão histórica, a Sala II do Tribunal Federal de Cassação Criminal, que analisou vários casos ligados ao atentado à AMIA em 1994, atribuiu a responsabilidade desse ataque ao Irã, descreveu-o como um "Estado terrorista" e autor de um crime contra a humanidade, que pode ser punido em qualquer parte do mundo sem limites de tempo.

Sob a presidência e o voto principal do juiz Carlos Mahiques, juntamente a seus colegas Angela Ledesma e Diego Barroetaveña, proferiu-se a sentença definitiva no caso que investigava o maior atentado terrorista sofrido na Argentina, e o chamado caso AMIA II, que investigou as irregularidades da investigação criminal e o suposto encobrimento do ataque através delas.

Os integrantes da Câmara examinaram fatos, provas, testemunhos e processos judiciais, mas também ligaram essa montanha de páginas - algumas brilhantes, outras vergonhosas, muitas vezes contraditórias - e chegaram a uma conclusão muito mais ampla do que a que a sua tarefa lhes exigia: quem eram os culpados do bombardeio na rua Pasteur, nº 633, por que o fizeram e o que pode ser feito com eles no país e no resto do mundo.

Mahiques, que liderou o acordo e contou com o apoio dos seus colegas, argumentou que tanto o ataque contra a embaixada israelense em março de 1992 como o da AMIA, dois anos depois, responderam a uma decisão política e estratégica da República Islâmica do Irã, e foram executados pela organização terrorista Hezbollah “que agiu sob a inspiração, organização, planejamento e financiamento de organizações estatais e paraestatais subordinadas ao governo dos aiatolás”.

Esta definição implica que o país, promotor e financiador de ações terroristas para além das suas fronteiras, "assume responsabilidade internacional, mesmo quando o ato terrorista tenha sido cometido por um grupo que não é formalmente estatal, mas que atua sob o controlo ou direção desse país (como o caso da relação entre o Hezbollah e a República Islâmica do Irã)". Mahiques e seus colegas entendem que “a responsabilidade internacional também deveria recair sobre o mesmo Estado que poderia ser classificado como 'terrorista', o que implicaria a obrigação de reparar integralmente os danos causados, morais e materiais, abrindo caminho para as vítimas e os afetados de reclamações perante tribunais internacionais" e o seu "direito à verdade”. Uma verdadeira revolução jurídica.

Um crime imprescritível que pode ser julgado em todo o mundo

Há mais definições. Os três juízes reafirmaram que o atentado deve ser qualificado como crime contra a humanidade, o que o torna imprescritível e lhe estende o princípio da “jurisdição universal”, segundo o qual qualquer Estado pode processar criminalmente e condenar os seus autores. Esta qualificação inclui os chamados “crimes conexos”, que também foram declarados imprescritíveis por estarem vinculados ao desvio do rumo da investigação que impediu ou atrasou o seu andamento.

Pela primeira vez, uma decisão judicial estabelece que esta reivindicação poderia ser assumida pelo nosso país [, a Argentina], por vias diplomáticas, por meio de um tribunal arbitral ou do Tribunal Internacional de Justiça.

Este fardo legal substancial não terá consequências apenas na Argentina: atualmente, os Estados Unidos ponderam sobre a responsabilidade iraniana pelas ameaças e ações contra alvos norte-americanos, e Israel também aponta Teerã pela barbárie que ocorreu há seis meses na Faixa de Gaza nas mãos do Hamas, outro suposto fantoche político-militar controlado diretamente pelos aiatolás.

Em sua decisão, Mahiques, Ledesma e Barroetaveña explicam as causas dos ataques e sustentam a teoria de que, com eles, o Irã se vingou da decisão unilateral do governo argentino de cancelar três contratos de fornecimento de material e tecnologia nuclear acordados com Teerã após a aliança de Carlos Menem com os Estados Unidos e a sua participação na primeira Guerra do Golfo, em 1991.

Os membros da Câmara acreditam que o Irã considerou o incumprimento argentino "intolerável", e a sua resposta foi planejar e executar os ataques terroristas "como uma forma extrema de pressão para que o nosso país [, a Argentina,] revertesse pela força da coerção a sua decisão de cancelar esses acordos".

A Cassação Federal também reiterou a necessidade de “acessar integralmente” o conteúdo da documentação e dos arquivos do antigo SIDE, que pela enésima vez ordenou sua desclassificação, digitalização e sistematização. Ele também pediu que “os canais diplomáticos sejam ativados e intensificados para coletar as informações que os serviços de inteligência estrangeiros retêm relacionadas ao ataque brutal”.

A decisão da mais alta instância criminal insta os juízes dos processos relacionados que ainda tramitam a avançá-los com maior celeridade, e os poderes Executivo e Legislativo "a definirem o mais breve possível as políticas públicas em relação à instauração do processo na ausência ", e a criação de agências federais de investigação para crimes complexos como o terrorismo.

Galeano, Anzorreguy e Telleldín, com novas penas

Para além das definições gerais que abalam a árvore judiciária argentina e mundial, a Cassação Federal revisou as sentenças dos acusados ​​pelo encobrimento do ataque à AMIA, por meio de uma investigação supostamente desviada intencionalmente.

Os membros da Câmara não deram como provado que a van Renault Traffic que explodiu na rua Pasteur estivesse anteriormente nas mãos do redutor Carlos Telleldín, e confirmaram a absolvição do atual advogado.

Em vez disso, confirmaram a responsabilidade penal do ex-juiz que instruiu a investigação do atentado, Juan José Galeano; do ex-diretor do SIDE, Hugo Anzorreguy; do ex-vice-diretor de Contra-espionagem dessa secretaria, Patricio Finnen; e desta vez sim de  Telleldín, o desvio de quatrocentos mil dólares dos fundos reservados da Secretaria de Inteligência do Estado por parte do magistrado e pelos espiões, e sua entrega ao relator dos autos em troca por fornecer uma nova declaração dos fatos, previamente acordada com Galeano. Além disso, revogou a condenação de Ana María Boragni (ex-companheira de Telleldín) e confirmou as absolvições de Víctor Stinfale (ex-advogado de Telleldín) e Rubén Beraja.

Ao ex-juiz federal destiuído Galeano foi imputada a pena de 4 anos de prisão por emitir resoluções que continham fatos e provas falsas e que levaram à detenção ilegítima dos ex-policiais de Buenos Aires. Os ex-procuradores José Barbaccia e Eamon Müllen (que tinham sido sancionados pelo tribunal de primeira instância por não comunicarem o pagamento ilegal a Telleldín) tiveram a classificação dos feitos modificada e foram condenados a dois anos de prisão suspensa como participantes secundários das privações ilegítimas de liberdade de ex-policiais ordenadas ilegalmente por Galeano.

Os secretários judiciais do magistrado, Susana Spina e De Gamas Soler, foram retirados do processo por não ter sido comprovado que tivessem conhecimento dos crimes cometidos pelos seus superiores hierárquicos.

Quanto ao suposto encobrimento de Alberto Jacinto Kanoore Edul , investigado como um dos suspeitos do atentado contra a AMIA, a Câmara II absolveu por maioria Galeano, Anzorreguy, seu segundo no SIDE Juan Carlos Anchézar e Carlos Alberto Castañeda: não só não se demonstrou que o juiz (que havia sido condenado por esses feitos) tinha conhecimento naquela época da ligação familiar entre Kanoore Edul e o então presidente Carlos Menem (também absolvido em primeira instância), mas também não foi provado que suas decisões durante a investigação tinham como objetivo beneficiá-lo.


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação