21.08.24 | Mundo
Especialista condena o silêncio de organizações internacionais com relação aos crimes sexuais cometidos pelo Hamas no ataque a Israel
Em artigo no site Conjur, Clarita Costa Maia - consultora legislativa do Senado, doutora em Direito pela USP, mestre em História das Relações Internacionais e especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados pela Universidade de Bochum, Alemanha, e pela Universidade de Brasília – comenta, com base no Direito Internacional, que “causa espécie” o silêncio de organizações internacionais com relação aos crimes sexuais, como o estupro de idosas, mulheres e crianças judias como instrumento de guerra, cometidos pelo grupo terrorista Hamas no ataque de 7 de outubro a Israel. Diz o texto:
O silêncio causa espécie porquanto o Direito Internacional dos Conflitos Armados (Dica) considera particularmente ignominiosos os crimes sexuais. Entender o enquadramento dos crimes cometidos pelos membros civis e militares do Hamas perante o Dica é inadiável para que haja clareza jurídica e realinhamento do debate público, sequestrado por paixões sectárias.
A guerra cultural que, de imediato, se sucedeu aos ataques a Israel, polarizando os espectros políticos já em movimento longevo de radicalização, empobreceu ainda mais o diálogo público. Uma das vítimas foi o direito penal internacional e seus tipos penais que, sem tratamento escrupuloso, viraram peças de retórica.
Crimes sexuais como atos de genocídio perante o direito internacional dos conflitos armados
O Direito da Haia e de Genebra e seus protocolos trouxeram padrões protetivos de gênero. Contudo, somente a partir dos anos 1990, com a evolução da jurisprudência dos tribunais penais internacionais ad hoc, é que os crimes (quase) tipicamente de gênero ganharam contornos mais claros.
Por crimes tipicamente de gênero surgem à mente os crimes e assaltos sexuais, o estupro, a esterilização, o aborto, o casamento e a prostituição forçados e o trabalho escravo em geral. A evolução do debate público sobre a necessidade de mais vigorosa punição dos crimes de gênero cometidos durante conflitos armados fez surgir uma série de denúncias sobre os crimes sexuais cometidos contra homens durante hostilidades, comprometendo a premissa de que seriam crimes tipicamente de gênero.
O fato é que os crimes sexuais ainda vitimizam mais as mulheres, soldadas ou civis.
O impacto desproporcional dos conflitos armados sobre mulheres e meninas foi a razão por que o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) decidiu pela publicação de uma série de dez resoluções.
A Resolução 1.820 (2008), em seu primeiro parágrafo, “salienta que a violência sexual, quando utilizada ou encomendada como tática de guerra a fim de visar deliberadamente civis ou como parte de um ataque sistemático contra populações civis, pode exacerbar significativamente situações de conflito armado e que possam impedir o restabelecimento da paz internacional e segurança”. Afirmação que será repetida na Resolução 2242 (2015).
De acordo com a Resolução 1.820 (2008), em seu parágrafo quarto, “[…] a violação e outras formas de violência sexual podem constituir um crime de guerra, crime contra a humanidade ou ato constitutivo de genocídio […]”.
Nos consideranda da Resolução 1.888 (2009), a possibilidade de enquadramento dos crimes sexuais como atos de genocídio, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra é reafirmada. Os mesmos termos são repetidos na Resolução 1.960 (2010) e na Resolução 2.467 (2019). A Resolução 2.106 (2013), no parágrafo segundo, faz observar que a violência sexual pode constituir crime contra a humanidade ou ato constitutivo em relação ao genocídio.
As resoluções supramencionadas são importantes peças político-jurídicas que demonstram o consenso e a constância da interpretação de que os crimes sexuais, a depender dos elementos do crime envolvidos, podem ser enquadrados como crimes de genocídio (artigo 6º, caput, a, b, c), como crimes contra a humanidade (artigo 7º, g) e como crimes de guerra (artigo 8º, 2, a, vi e xxii).
Essa foi uma evolução recente. De acordo com Christine Chinkin, as jurisdições dos tribunais internacionais de Tóquio e de Nuremberg, embora abrangessem crimes de guerra (violações das leis e dos costumes de guerra) e crimes contra a humanidade, não incluíram sob seus escopos de análise o estupro e a violência sexual.
Ainda segundo a autora, o Estatuto do Tribunal Penal ad hoc para a ex-Iugoslávia (TPIJ) não dispunha os crimes de violência sexual como grave violação ou violação das leis e dos costumes da guerra. Contudo, listava o estupro como um crime contra a humanidade. Em alguns julgados, chegou a considerá-los como genocídio.
O Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) foi vanguardista na identificação do estupro como ato de genocídio quando cometido com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo identificado em termos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos. De fato, o estupro e outras formas de violência sexual extrema têm estado no centro da destruição do grupo.
A jurisprudência dos tribunais ad hoc continua influente como peças de persuasão e referência.
Os TPIJ e o TPIR convergiram no sentido de reconhecer estupro e outras formas de violência sexual como potencialmente constitutivas do crime de genocídio quando cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional, étnico, racial ou religioso[9]. Entendimento, hoje, bem assentado na jurisprudência e na doutrina internacionais.
Leia mais, acessando o link: https://www.conjur.com.br/2023-dez-21/crimes-sexuais-como-atos-de-genocidio-no-direito-internacional-dos-conflitos-armados/