07.10.24 | Mundo
“Atentados de 7 de Outubro inauguraram o 'antissemitismo moderno'”
Em artigo na Folha de S.Paulo desta segunda-feira (7), a advogada, escritora, dramaturga e diretora da CONIB Becky S. Korich aborda a violência dos ataques de 7 de outubro e o aumento do antissemitismo no mundo, como consequência da guerra em Gaza. E conclui: “Ser judeu, hoje, se tornou uma aventura perigosa”. Leia a seguir a íntegra do texto:
A luz estava próxima. O acordo de paz entre Israel e Arábia Saudita estava sendo construído com boas chances de ser assinado. Mas, debaixo do solo, não havia luz no fim dos túneis. Lá, o que se construía era o terror, escuro e úmido.
Na manhã de 6 de outubro de 2023, cerca de 3.500 jovens se preparavam para cantar e dançar no Festival Nova, um evento pacífico conhecido como o "Woodstock da música eletrônica". No deserto de Negev, perto da fronteira com Gaza, DJs de todo o mundo, incluindo brasileiros, tocariam por 15 horas seguidas.
Do outro lado, terroristas sob o efeito de uma droga sintética —e intoxicados por um ódio orgânico—, carregando rifles e granadas, se preparavam para a destruição total.
As pessoas do festival ainda não tinham dormido; outras, que moravam no kibutz, já tinham acordado. Às 6h30 do dia 7, o inferno começou. A música foi bruscamente interrompida por uma tropa de terroristas com sede de sangue. Chegaram com ordens para matar, violentar, mutilar, queimar bebês e sequestrar civis. Ultrapassaram não só as fronteiras do território, mas também os limites da humanidade. Foram bárbaros, cruéis, medievais.
Há exatamente um ano, vaginas estavam sendo rasgadas, seios arrancados, pelves quebradas, meninas estupradas em série. Ninguém foi poupado, nem crianças, nem idosos, nem mesmo o feto que foi arrancado do útero de sua mãe. Tudo lá era o oposto de vida.
O Hamas não representa os palestinos, não luta por nenhuma causa senão a destruição. Seu objetivo, assim como de outros grupos afins, é a aniquilação de Israel, mesmo que suas ações coloquem em risco a vida da própria população —"sacrifícios necessários", nas palavras de Yahya Sinwar, o arquiteto do ataque do Hamas.
As vítimas não eram militares, não agiam em nome do governo, a maioria era ativista pela paz. Eram judeus, muçulmanos, cristãos, hindus, budistas. Mas "mereciam" morrer só porque estavam no Estado judeu.
A comoção pelas vítimas durou poucos dias, as cenas filmadas pelos próprios terroristas foram se desbotando com uma rapidez espantosa; sequestrados foram esquecidos, violências sexuais foram relativizadas, terrorismo passou a ser "resistência".
O massacre e suas consequências destruíram milhares de vidas e continuam a causar estragos em uma região em chamas. Em Israel. Em Gaza. E, agora, no Líbano, com a ampliação do conflito entre Israel e Hezbollah.
O 7 de outubro não só mudou a região, mas mudou o mundo.
Inaugurou-se o fim da "era pós-Holocausto". Ora disfarçado de antissionismo, ora escancarado, o racismo voltou com tudo. A certeza do "nunca mais" se mostrou ilusória. Sob o pretexto do antissionismo, visões "modernas" de justiça e opressão foram subvertidas e impregnadas com antigos estereótipos antijudaicos —uma forma simplista para legitimar o antissemitismo. A ideologia wokista colocou o judeu no lugar do opressor e, nessa condição, perde o direito de se defender.
"Bem, o antissemitismo só existe por causa de Israel", diriam alguns. Não, o antissemitismo existe muito antes do estabelecimento de Israel. O ódio sempre encontra maneiras de se reinventar ao longo da história e reaparece reciclado sob roupagens novas, adaptadas às circunstâncias.
Passadas três gerações da Shoah, judeus do mundo inteiro são intimidados e atacados nas ruas, escolas e universidades. Judeus são cancelados. Sinagogas são vandalizadas. Cemitérios são profanados.
Ser judeu, hoje, se tornou uma aventura perigosa.