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02.04.25 | Mundo

“Em Gaza, rompem a barreira do medo”

Em artigo no jornal O Estado de S.Paulo desta quarta-feira (2), o jornalista e escritor Henrique Cymerman avalia que “se o Hamas não ouvir o povo nos protestos recentes, podem explodir confrontos violentos entre o grupo e a população civil”. “Ainda é cedo para dar por terminado o Hamas ou declarar uma Primavera de Gaza. Os protestos refletem o sofrimento da população, que explode espontaneamente de frustração, sem liderança nem programa concreto. Muitos entendem que o massacre de 7 de outubro de 2023, o dia mais negro da história de Israel, foi uma sentença de morte para muitos palestinos”. Leia a seguir a íntegra do texto:

“Acabou o governo do Hamas. O movimento islamista nos destruiu. Estamos contra o governo repressivo que, se continuar assim, vai matar todos nós dentro de dois ou três anos. Do nosso ponto de vista, é preferível sermos governados pelos sudaneses”, disse nas redes sociais Hisham Al-Barawi, mukhtar (chefe) de uma das famílias mais numerosas de Beit Lahia, no norte de Gaza. O mukhtar participou das manifestações sem precedentes que invadiram as ruas em todas as cidades de Gaza, e acrescentou: “Exigimos ao Hamas que liberte todos os reféns e, em troca, Israel libertará nossos presos. Não estamos contra o Hamas, são nossos irmãos, mas não podemos viver sob o seu governo e temos de içar bandeiras brancas”.

Por três dias consecutivos, milhares de palestinos exigiram o fim de 18 anos de governo do Hamas e um cessar-fogo imediato com Israel. Alguns pediram à Al-Jazeera que não ignorasse os protestos e desse cobertura midiática à oposição ao governo islamista. No início, os homens do Hamas se afastaram dos manifestantes, mas no fim de semana passado, segundo várias fontes de Gaza, executaram ao menos seis manifestantes e torturaram outros à vista da população. Foi uma tentativa de dissuasão para deter imediatamente os protestos. Ali (nome fictício), jornalista palestino da Cidade de Gaza, revelou que um jovem manifestante foi sequestrado pelo Hamas, torturado e, depois, devolvido à sua família quando já estava à beira da morte. Outro foi agredido publicamente na Praça Nuseirat e, depois, morto com um disparo. O ativista social Hamza al-Masri, que se opõe ao governo do Hamas e que perdeu um olho ao ser torturado, escreveu nas redes sociais: “Só o que queriam os manifestantes era viver, mas uma força militar do Hamas sequestrou alguns jovens, entre eles Udai al-Rubai, de 22 anos”. Segundo al-Masri, al-Rubai foi torturado por quatro horas e, depois, com uma corda ao redor do pescoço, foi arrastado pela Cidade de Gaza e golpeado com barras de ferro à vista de todos.

Al-Masri lamentou que nenhum jornalista de Gaza ouse relatar o que define como crimes do Hamas, afirmando que toda a imprensa local se identifica com a organização. Apesar das tentativas do Hamas de dissuadir os manifestantes, no funeral de al-Rubai foram ouvidos gritos de Fora, Hamas!, e alguns de seus familiares dispararam para o ar prometendo vingança aos islamistas, “o mais cedo possível”.

A retaliação contra os manifestantes começou sem aviso prévio em vários pontos de Gaza. O Hamas instalou postos de controle nas zonas de acesso aos protestos, infiltrando neles ativistas islamistas para deter de imediato as manifestações. Um ativista próximo do Fatah, com quem falei por telefone a sussurrar, para não ser ouvido, contou que recebeu ameaças de militantes ligados ao Hamas de que o aguardavam nas ruas de Gaza. “Compreendi que não devo sair da casa de um familiar, pois já me têm fichado, e não quero ser sequestrado.”

Algo assim não se via desde 7 de outubro de 2023. Milhares de pessoas, com o rosto descoberto, gritavam não só Fora, Hamas!, mas Xiitas! Xiitas!, e, para um grupo sunita como o Hamas, ser chamado de xiita é um insulto equivalente a heresia. Assim, os manifestantes criticam a ligação entre o Hamas e o Irã, o principal país xiita. Os protestos se espalharam como fogo em mato seco. Tudo começou no norte, em Beit Lahia, mas em poucas horas se estendeu a Jabalia, à Cidade de Gaza, aos campos de refugiados do centro e ao sul, em Khan Younis.

Ainda é cedo para dar por terminado o Hamas ou declarar uma Primavera de Gaza. Os protestos refletem o sofrimento da população, que explode espontaneamente de frustração, sem liderança nem programa concreto. Muitos entendem que o massacre de 7 de outubro de 2023, o dia mais negro da história de Israel, foi uma sentença de morte para muitos palestinos. Se necessário, o Hamas está preparado para afogar de sangue esta Intifada de Gaza. O grupo iniciou uma campanha na qual acusa Israel e a Autoridade Nacional Palestina de tentarem apoderar-se de Gaza, pelo que, segundo os islamistas, todo manifestante ajuda o ocupante israelita.

O que está em jogo é o futuro do Hamas. O mundo árabe acompanha de perto os protestos. Já em 4 de março, durante reunião da Liga Árabe no Cairo, 22 países concordaram que os islamistas não governarão Gaza no futuro. Agora, o Movimento de Resistência Islâmica luta para continuar a ser a principal força militar em Gaza, embora outros palestinos, próximos da Autoridade Nacional Palestina, devam governar de fato com o apoio de países árabes como o Egito, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita e dos EUA.

No Irã, milhares de manifestações contra o governo de Teerã nos últimos anos não conseguiram subjugar o regime dos aiatolás. No caso sírio, em contrapartida, o governo da família Assad resistiu a uma guerra civil de 13 anos, com mais de meio milhão de mortos, e caiu quando um grupo de rebeldes começou a marchar para Damasco praticamente sem resistência.

Ninguém sabe o que o futuro reserva para Gaza. Mas, para o professor de Ciências Políticas hoje no Egito Machimar Abu-Saada, as recentes manifestações são muito mais que um simples protesto do movimento Bidna Naish (Queremos Viver). Para ele, estes protestos, que pretendiam melhorar o nível de vida da população, não ameaçaram verdadeiramente o governo islamista. Agora, porém, se o Hamas não ouvir o povo nos protestos recentes, podem explodir confrontos violentos entre o grupo e a população civil. De fato, pela primeira vez, em Gaza, rompeu-se a barreira do medo.


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