23.06.25 | Mundo

“Mudança de regime no Irã é desejável se vier de dentro e for na direção certa”

Em sua coluna na Folha de S.Paulo, o escritor João Pereira Coutinho alerta para o que poderá vir em eventual mudança de governo no Irã e afirma: “Se uma ação militar de Israel ou dos Estados Unidos acabar criando condições para que o povo se liberte de seus opressores, tanto melhor. A chamada "mudança de regime" pode até ser desejável — desde que venha de dentro, e que vá na direção certa”. Diz o texto:

Um espectro ronda o Oriente Médio —o espectro do neoconservadorismo. Com a guerra no Irã e os bombardeios americanos contra as centrais nucleares do país, não faltam especialistas em pânico: "Os ‘neocons’ estão de volta!" Será que os erros do Afeganistão e do Iraque vão se repetir?

Só Deus sabe, meus filhos —e eu não ponho a mão no fogo por nenhum ser bípede.

Mas, até agora, há uma diferença entre impedir que a teocracia milenarista dos aiatolás consiga uma bomba nuclear e querer instalar em Teerã uma democracia ao estilo ocidental. Sim, em teoria, eu gostava que ambas fossem possíveis. Quem não gostaria?

Mas também sei, na prática, que as interferências externas na política interna da região produziram mais desastres que triunfos. E não é preciso citar os casos óbvios do Afeganistão e do Iraque porque o mundo não começou ontem.

O historiador Fawaz Gerges, no seu "What Really Went Wrong: The West and the Failure of Democracy in the Middle East", ajuda a compreender os fracassos democráticos do Oriente Médio pela ação direta que os Estados Unidos tiveram na região.

Não compro todas as teses de Gerges, que manifestamente subestima o antissemitismo brutal dos países árabes como causa dos seus infortúnios. Um exemplo: se, em 1947, a Liga Árabe tivesse aceitado o Plano de Partição da ONU para a Palestina, talvez o rio de sangue que corre desde então tivesse secado na origem.

Também não endeuso, como ele faz, líderes megalómanos como o egípcio Gamal Abdel Nasser, um dos principais responsáveis pela guerra de 1967.

Mas os capítulos que Gerges dedica ao Irã são oportunos para o momento presente. Servem como lição de aviso.

Depois da Segunda Guerra Mundial, escreve o autor, o Irã poderia ter seguido um caminho diferente —mais democrático, mais justo, mais pluralista.

Essa era, ao menos, a intenção do primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, que começou a agitar os interesses britânicos ao nacionalizar o petróleo iraniano em benefício do próprio país.

Foi seu primeiro "pecado". O segundo foi a aproximação aos comunistas locais como forma de sobreviver politicamente à contestação crescente do exército e da monarquia Pahlavi contra ele.

No contexto da Guerra Fria, e com a mudança da guarda em Washington —Eisenhower substituindo Truman—, as ousadias de Mossadegh terminaram num golpe de Estado em 1953, orquestrado pela CIA. Os interesses econômicos e geoestratégicos estavam salvaguardados.

Como se não bastasse, os americanos continuaram apoiando a ditadura do xá Reza Pahlavi — que justificava seu autoritarismo com uma frase célebre: "Quando os iranianos aprenderem a se comportar como os suecos, eu vou me comportar como o rei da Suécia". Nos entretantos, a repressão aumentava, o descontentamento social também —e, em 1979, quando o país estava pronto para uma revolução, foram os clérigos medievais de Khomeini, então no exílio, que colheram os frutos do desencanto. A oposição democrática ao xá estava na prisão —ou no cemitério.

Moral da história?

O futuro do Irã, ontem como hoje, deve ser decidido pelos próprios iranianos. Se uma ação militar de Israel ou dos Estados Unidos acabar criando condições para que o povo se liberte de seus opressores, tanto melhor.

A chamada "mudança de regime" pode até ser desejável — desde que venha de dentro, e que vá na direção certa.

O neoconservadorismo que abalou o mundo no início do século 21, no entanto, era de outra natureza: uma espécie de trotskismo de direita, promovido por ex-trotskistas que jamais abandonaram o "universalismo revolucionário" da juventude. Substituíram o marxismo pela democracia liberal —mas mantiveram a fé na transformação global pela força.

Para eles, não bastava perseguir os responsáveis pelos atentados de 11 de Setembro ou os regimes párias que os acolhiam. Era preciso ir além. Ocupar militarmente o Afeganistão —e, pior ainda, o Iraque—, interferir em realidades sectárias das quais pouco ou nada compreendiam —e esperar, sentados, que a democracia florescesse nas areias do deserto como uma flor cheirosa e vistosa.

O resultado foi trágico. Pior ainda: foi irônico. O Irã emergiu como potência regional, o Iraque caiu na guerra civil latente e o Afeganistão recebeu de volta o Talibã para uma nova ronda de abuso e obscurantismo.

Remover a ameaça nuclear iraniana e, como bônus, permitir que os iranianos escolham seu próprio destino já é tarefa bastante ambiciosa. Pedir mais, na história do Oriente Médio, é sempre pedir demais.


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação