25.06.25 | Mundo
“Entre a diplomacia e a tragédia”
Em editorial publicado nesta quarta (25), o jornal O Estado de S.Paulo afirma que “a ofensiva militar contra o Irã criou uma chance rara de paz”. “O desafio agora é político: conter o Irã sem ilusões e consolidar uma nova ordem regional com pragmatismo e pressão internacional”. Leia a seguir a íntegra do texto:
A trégua entre Israel e Irã, selada após quase duas semanas de confrontos e bombardeios de alta intensidade, não encerra uma guerra – apenas suspende seus fogos. E, ainda assim, representa uma inflexão estratégica. A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ordenar ataques cirúrgicos às instalações nucleares iranianas, amparando militarmente uma campanha israelense já em curso, foi uma aposta de alto risco. Mas, ao menos por ora, se pagou. O Irã recuou. Israel colheu vitórias substanciais. E os Estados Unidos reafirmaram sua primazia regional.
Contudo, seria um erro confundir vantagem militar com solução política. A paz ainda está longe de ser consolidada. A ofensiva pode ter desorganizado a teocracia iraniana, mas não a destruiu. Seu regime permanece no poder, humilhado, imprevisível e perigosamente encurralado. Se mal administrado, este momento de vantagem pode degenerar em tragédia. Se bem aproveitado, pode abrir um caminho – estreito, mas real – para uma nova arquitetura de estabilidade no Oriente Médio.
Trump merece crédito pelo pragmatismo tático. A operação foi precisa, limitada e eficaz. Os alvos nucleares foram duramente atingidos, sem provocar mortes americanas nem ampliar a escalada para além do controle. A resposta iraniana – um ataque telegrafado à base de Al Udeid, no Catar, sem vítimas – mostrou que, por trás da retórica incendiária, Teerã ainda opera com racionalidade estratégica. A prioridade do regime continua sendo a sobrevivência, não o martírio.
Mas o sucesso militar não elimina as incertezas. Não se sabe se o Irã foi, de fato, impedido de produzir armas nucleares. Também é incerto se aceitará negociar sob pressão, ou apenas ganhará tempo enquanto reconstrói sua capacidade em segredo. O risco de reconstituição do programa nuclear, de apoio renovado a milícias como o Hezbollah ou os houthis, e de ações clandestinas contra alvos israelenses ou americanos é real. A vigilância deve ser constante.
É nesse ponto que a diplomacia se impõe. Trump afirmou que “agora é hora de paz”. Se acredita nisso, deve abandonar fantasias maximalistas. A exigência do fim total do enriquecimento de urânio ou a retórica triunfalista de mudança de regime apenas reforçará os setores mais duros do establishment iraniano. A alternativa – mais realista e eficaz – passa por um acordo em que o Irã interrompa o enriquecimento para fins militares e aceite inspeções intrusivas, em troca de algum grau de capacidade civil, operada por consórcio regional sob supervisão internacional.
O regime iraniano não merece confiança. Sua conduta – da repressão doméstica ao patrocínio de grupos terroristas – comprova seu caráter delinquente. Por isso, qualquer negociação deve ser acompanhada de forte pressão internacional, de mecanismos de verificação robustos e de garantias críveis para Israel quanto à contenção de armamentos convencionais e ao fim do apoio a milícias extremistas.
Ao mesmo tempo, a nova correlação de forças cria oportunidades. Israel, fortalecido, pode negociar a partir de uma posição vantajosa. O enfraquecimento dos aliados iranianos na região – e o alívio de líderes árabes, mesmo entre os que protestaram publicamente – sinaliza que uma coalizão pela estabilidade é possível. Trump, por sua vez, detém agora uma alavancagem inédita sobre Binyamin Netanyahu. Deveria usá-la para forçar um cessar-fogo em Gaza condicionado ao retorno dos reféns, e iniciar, com apoio árabe, um processo sério de reconstrução política palestina. A paz duradoura no Oriente Médio exige também uma solução para o conflito israelo-palestino.
Os próximos passos definirão o legado dessa ofensiva. A alternativa à diplomacia – o retorno à guerra – é sombria. Mas ignorar a nova oportunidade aberta pela contenção do Irã seria tão temerário quanto ceder a seus avanços nucleares. Entre a força e a conciliação, Trump encontrou um ponto de equilíbrio momentâneo. Para consolidá-lo, precisará liderar com firmeza e realismo. A vitória tática já ocorreu. Evitar a tragédia – e construir algo mais duradouro – será a verdadeira prova de sua presidência.