10.07.25 | Mundo
“Um caminho para a paz”
Em artigo no Último Segundo, a jornalista Miriam Sanger analisa a situação atual no Oriente Médio e destaca que antes dos conflitos Israel vinha buscando acordos com países da região com o objetivo de “normalizar a relação entre vizinhos e abrir portas para o desenvolvimento conjunto em termos econômicos, diplomáticos, comerciais, turísticos, tecnológicos e médicos – em outras palavras, abrir espaço para o estabelecimento da paz entre eles”. “Este símbolo poderoso de cooperação regional e de paz foi bem-visto por muitos países e povos, mas nem todos receberam bem a iniciativa: o Irã e seus aliados xiitas, incluindo os palestinos, sentiram-se ameaçados e traídos. Sua resposta foi o massacre de 7 de outubro no sul de Israel”. Leia a íntegra do texto a seguir:
Segundo o relato bíblico, Abraão teve dois filhos: Isaac, ancestral do povo judeu, e Ismael, considerado o pai dos povos árabes e muçulmanos. Por isso, não é por acaso que os acordos bilaterais entre Israel e países árabes, assinados sob a coordenação dos Estados Unidos, recebam o nome de “Acordos de Abraão”.
A iniciativa foi formalizada e divulgada em agosto de 2020 e, nos quatro meses seguintes, acordos foram firmados entre Israel, Marrocos, Emirados Árabes e Sudão. Seu objetivo principal é normalizar a relação entre os países e abrir portas para o desenvolvimento conjunto em termos econômicos, diplomáticos, comerciais, turísticos, tecnológicos e médicos – em outras palavras, abrir espaço para o estabelecimento da paz entre eles.
Para Israel, essa é a realização de um sonho iniciado na fundação do Estado, em 1948. Fiel ao seu estilo pragmático, o governo israelense abriu escritórios de representação em todos os países signatários e companhias aéreas lançaram voos diretos diários. Houve visitas mútuas entre ministros, dezenas de iniciativas civis foram lançadas e as universidades israelenses receberam centenas de estudantes emiratis e marroquinos, que se inscreveram em programas acadêmicos e de pesquisa em Israel. O fluxo de turistas aumentou exponencialmente.
Em função do sucesso resultante desses primeiros acordos, outros países passaram a se interessar. Segundo uma reportagem publicada pelo i24, em março de 2023 Israel estava em conversação com a Indonésia, Somália, Níger, Mauritânia e Arábia Saudita. Este símbolo poderoso de cooperação regional e de paz foi bem-visto por muitos países e povos, mas nem todos receberam bem a iniciativa: o Irã e seus aliados xiitas, incluindo os palestinos, sentiram-se ameaçados e traídos. Sua resposta foi o massacre de 7 de outubro no sul de Israel.
Primeira vitória da aliança
Se por um lado a invasão foi a violenta resposta palestina aos Acordos de Abraão, por outro este foi justamente o primeiro teste de resistência da iniciativa. E surpreendeu: ninguém abandonou a aliança. Ao contrário, a guerra resultante, entre Israel, Irã e seus proxies (Hamas, Hezbollah e Houthis), motivou a consolidação de um acordo de transporte de produtos entre os Emirados e Bahrein para Israel por meio da Arábia Saudita, de forma a evitar a abordagem de seus navios no mar Vermelho pelos Houthis.
Mais um exemplo de coesão foi visto na noite de 14 de abril, quando pela primeira vez na história o Irã lançou um ataque direto a Israel com drones e mísseis de cruzeiro, muitos dos quais abatidos pelos Emirados Árabes e pela Jordânia, país com quem Israel tem acordo de paz há várias décadas.
Acho difícil não concordar que o sucesso da iniciativa é mais visível em Dubai que, nos últimos quase cinco anos, foi destino de centenas de milhares de turistas israelenses, que hoje desfrutam até mesmo de sinagogas, restaurantes casher (conjunto de leis dietéticas judaicas) e hotéis preparados para atender aos judeus religiosos. Foram abertos vários escritórios comerciais e empreendimentos conjuntos em setores como a saúde, agricultura, gestão de águas, educação e tecnologia. Já com os Emirados, Israel selou acordos de 3 bilhões de dólares. Há também entendimentos no sentido de criar-se uma zona franca.
Interesse europeu
Não demorou muito para que a Europa também entendesse o valor dessa colaboração econômica. Após a deflagração da guerra entre Ucrânia e Rússia, os novos aliados do Oriente foram vistos como uma fonte segura, especialmente, mas não apenas, no que diz respeito às suas necessidades energéticas. Esse novo hub de energia tem 3 “pontas”: as fontes de gás e a tecnologia de ponta israelenses (vitais para aumentar a confiabilidade e diminuir o custo da energia renovável e dos combustíveis alternativos); os Emirados respondem por uma produção importante de petróleo; já o Marrocos é líder na região em energias renováveis, especialmente a solar.
Muito há de vir por aí. Sabe-se que outros países em breve ingressarão nos Acordos de Abraão, a começar pela Síria e Líbano, antigos inimigos de Israel. Também na “agulha” estão Arábia Saudita, Indonésia, Malásia, Azerbaijão e Cazaquistão. Certamente há outros. Caso essa roda de paz e prosperidade ganhe de fato tal impulso, o céu será o limite. E essa parte do mundo, rica em recursos naturais, história e cultura, lar de paisagens e culinária fenomenais – e, mais do que tudo, famosa pela tradição da hospitalidade do patriarca Abraão –, terá finalmente a oportunidade de florescer da forma que merece.