08.08.25 | Brasil

“O antissemitismo do bem”

Em artigo na Folha de S.Paulo desta sexta (8), a advogada, escritora, dramaturga e diretora da CONIB Becky S. Korich aborda o crescimento do novo antissemitismo, travestido de “antissemitismo do bem”. E alerta: “O perigo do antissemitismo moderno é que ele não se apresenta como ódio, mas como virtude. E, como tal, pega mal criticar. Antes, era preciso coragem para se assumir antissemita; hoje, é preciso coragem para denunciá-lo sem ser rotulado como cúmplice da opressão ou inimigo da causa palestina”. Leia a seguir a íntegra do texto:

Durante algum tempo, acreditou-se que o antissemitismo fosse uma doença do passado. Mas ele "dorme leve", como advertiu o historiador Conor Cruise O’Brien na The Atlantic, em 1981. Quarenta anos depois, o ensaio segue assustadoramente atual: o antissemitismo acordou, trocou o pijama por trajes elegantes com grife de "justiça social".

O’Brien profetizou ao descrever o antissemitismo como uma "força subterrânea", pronta para ressurgir sempre que as condições sociais e políticas permitirem. E ressurgiu, direto do subterrâneo, dos túneis cavados pelo Hamas. Depois da matança de 7 de outubro de 2023, a ordem moral foi subvertida e o ódio reaprendeu a andar solto pelas ruas.

O perigo do antissemitismo moderno é que ele não se apresenta como ódio, mas como virtude. E, como tal, pega mal criticar. Antes, era preciso coragem para se assumir antissemita; hoje, é preciso coragem para denunciá-lo sem ser rotulado como cúmplice da opressão ou inimigo da causa palestina.

Antes que coloquem "mas" e "vírgulas", um disclaimer: criticar Israel é legítimo. Israel, como qualquer nação, deve ser responsabilizado por seus atos. Criticar seu governo não é, por si só, antissemita. Se fosse, boa parte dos judeus do mundo também o seria. A crítica se torna perigosa quando vira negação sistemática do seu direito de existir, ou quando se relativiza as atrocidades do Hamas e até do Holocausto.

Dito isso, voltemos ao tema principal: o ódio do bem. O que está em jogo aqui é o truque mental que permite que pessoas decentes, autodeclaradas progressistas e bem informadas, ignorem sinais gritantes de que o antissemitismo está em alta —não como crime, mas como causa. Eis o ponto de virada: enfrentamos um antissemitismo "inocente".

As maiores violências da história usaram causas nobres. As Cruzadas invocaram Deus. O "Terror francês", a virtude. O comunismo, a igualdade. O nazismo, a pureza. Invoca-se hoje o antissionismo para repetir o mesmo gesto ancestral: escolher o judeu como bode expiatório.

A retórica mudou. O ressentimento, não. Antes associado à extrema direita, o antissemitismo também se abriga na extrema esquerda, sob o pretexto da suposta luta anticolonial. São os extremos convergindo na hostilidade aos judeus. À direita, a velha conspiração racial; à esquerda, o judeu como símbolo de opressor global.

A demonização seletiva de Israel —o clássico e obsessivo "blame Israel first"— e a complacência diante de violações de direitos cometidos por países como China, Irã e Rússia revela o que é de fato: moralismo seletivo. Podem não entender nada de geopolítica, mas estão "do lado certo".

A tradição antissemita, como argumenta Eve Garrard, é especialmente resistente porque oferece prazeres emocionais profundos: o prazer do ódio, da tradição e da pureza moral. Atacar os judeus, ou o que se percebe como "proxies" judaicos, como o Estado de Israel ou organizações sionistas, dá ao agressor uma sensação de elevação moral, distinção simbólica e pertencimento ideológico.

O antissemitismo, portanto, não é só um erro cognitivo: é um deleite emocional que oferece conforto em tempos de polarizações. Combatê-lo, portanto, requer um enfrentamento direto com as emoções que ele mobiliza nos seus adeptos.

Disclaimer final: denunciar o antissemitismo não é negar a dor dos palestinos. É apenas lembrar que esse tipo de ódio é um sintoma profundo da falência moral da civilização.


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