21.08.25 | Mundo
“Em Tel Aviv se grita, mas se escuta. No Brasil, só sobra o grito”
Em artigo no Zero Hora, o jornalista Gabriel Sant'Ana Wainer compartilha a sua experiência em visita a Israel e compara as divergências políticas no país com a realidade brasileira. “Israel, mergulhado em trauma, luto e medo existencial, mostra algo diferente. Aqui, mesmo sob bombas, a divergência não destrói a convivência democrática, pelo contrário: é justamente no embate de visões tão distintas que se encontra uma forma de resiliência nacional. É essa capacidade de conviver com o contraditório que mantém o país de pé, muito mais do que os muros, as armas ou as fronteiras”. Leia a seguir a íntegra do texto:
Uma das experiências mais reveladoras desta viagem a Israel foi estar frente a frente, no mesmo dia, com dois jornalistas que representam polos opostos do debate público daqui. Amit Segal, talvez o mais influente comentarista político da direita israelense, e Ilana Dayan, referência absoluta do jornalismo crítico e liberal. É como se eu tivesse ouvido, em poucas horas, as vozes de antagonistas que raramente se cruzam — mas que, paradoxalmente, ajudam a desenhar um mesmo retrato de uma sociedade em guerra.
Segal analisa tudo pela régua pragmática da segurança. Em sua leitura, o eixo político de Israel não é econômico, como em quase todo o mundo, mas militar: direita é quem defende firmeza contra os inimigos, esquerda é quem aposta em concessões. Para ele, eliminar o Hamas como regime, redefinir fronteiras e evitar qualquer vulnerabilidade é o caminho. Netanyahu, mesmo desgastado, permanece inevitável porque encarna essa promessa de segurança que o eleitor israelense exige.
Dayan, em contraste, coloca no centro da crise os reféns. Para ela, Israel não tem futuro se não trouxer de volta até o último dos sequestrados. Essa é a linha moral que define a guerra: não é apenas sobre destruir o inimigo, mas sobre salvar vidas. E, ao contrário de Segal, vê em Netanyahu alguém que prolonga o conflito por conveniência política, um líder interessado em preservar o poder, não em resolver a tragédia nacional.
As divergências são claras. Segal acredita que o Hamas pode ser derrotado por completo; Dayan insiste que isso é impossível, porque sempre haverá um túnel, uma Kalashnikov, uma nova célula. Segal descarta a Autoridade Palestina como corrupta e antissemita; Dayan admite seus defeitos, mas reconhece nela uma engrenagem de cooperação que já trouxe relativa estabilidade à Cisjordânia, mesmo com os assentamentos.
Mas o que impressiona é que, apesar das diferenças abismais, há pontos de convergência. Ambos enxergam o Catar como um ator manipulador que financia o Hamas e compra influência política e acadêmica em todo o mundo. Ambos sabem que a sociedade israelense está exausta e profundamente ferida, que não há país que suporte indefinidamente uma guerra sem horizonte. Ambos reconhecem, cada um a seu modo, que a democracia daqui se expressa justamente nessa cacofonia de opiniões, nas manifestações que lotam Tel Aviv, no debate que não é calado nem mesmo quando as sirenes ainda soam e os foguetes ainda caem.
E é aqui que a comparação com o Brasil se torna inevitável. No nosso país, a polarização política se transformou em muralha: esquerda e direita parecem incapazes de compartilhar o mesmo espaço, quanto mais reconhecer algum ponto de concordância. Conversar entre campos políticos opostos virou um insuportável tabu. O resultado é um ambiente em que a discordância se converte em inimizade e onde o debate público é substituído por uma disputa para ver quem consegue gritar mais alto.
Israel, mergulhado em trauma, luto e medo existencial, mostra algo diferente. Aqui, mesmo sob bombas, a divergência não destrói a convivência democrática, pelo contrário: é justamente no embate de visões tão distintas que se encontra uma forma de resiliência nacional. É essa capacidade de conviver com o contraditório que mantém o país de pé, muito mais do que os muros, as armas ou as fronteiras.
Talvez essa seja a lição a levar para o Brasil: não é preciso abdicar da crítica, nem maquiar divergências profundas. Mas é preciso preservar o espaço para o encontro, para o reconhecimento de que há valores comuns, mesmo entre adversários. Se até aqui, no meio de uma guerra, ainda existe espaço para convergência, que desculpa temos nós para viver em trincheiras tão intransponíveis?