26.08.25 | Brasil
“Nunca pensei que as nossas instituições comunitárias teriam que ser tão protagonistas como estão sendo agora”, diz a advogada Evane Kramer
Com vasto currículo na área jurídica, a advogada e professora Evane Kramer falou ao Histórias Reais da CONIB sobre antissemitismo, destacou o protagonismo das instituições comunitárias, que têm que se posicionar com frequência sobre Israel e o conflito em Gaza, e sobre como concilia sua intensa atividade profissional com a vida doméstica de mãe. “A maternidade sempre me impulsionou mais, me inspirou mais, me levou a me mobilizar para saber lidar com essa multitarefa, que é a vida profissional da mulher que opta por ser mãe e ter um relacionamento conjugal”, destacou. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Trajetória profissional
Sou formada em Direito pela PUC de São Paulo, fiz mestrado também na PUC-SP, minha área é Processo Civil, fiz doutorado na USP, também em Processo Civil. Este ano em completo 20 anos de docência no Mackenzie, na Faculdade de Direito, na cadeira de Processo Civil e Prática Jurídica. Eu tive uma oportunidade de ser chefe de gabinete da Secretaria da Justiça aqui do Estado de São Paulo. Fui convidada pelo então secretário e foi uma experiência muito interessante estar ‘do outro lado do balcão’. E acabei atuando como secretária adjunta da Justiça, então em tive toda uma experiência em cargo de direção numa Secretaria de Estado, o que foi muito interessante e, dadas as competências da Secretaria, foi uma época que eu tive intensa relação com a CONIB e com a Federação Israelita do Estado de São Paulo também. Isso porque a Secretaria da Justiça trabalha muito com minorias e com questões que afetem o livre exercício da cidadania. Hoje, por exemplo, eu estaria lotada de trabalho se ainda estivesse nessa função. Mas foi um período de muito contato com a CONIB.
Mulheres em posições de liderança
Eu sempre trabalhei, mesmo quando meus filhos – tenho dois – eram pequenos. Hoje, ambos têm mais de 30 anos de idade. E acho que foi muito saudável manter essa atividade profissional junto com a maternidade. Eu vejo muitas mulheres dizendo sobre como a maternidade acabou atrapalhando a sua vida profissional. Mas eu sempre tive uma visão de que a maternidade me impulsionou mais, me inspirou mais, me levou a me mobilizar para saber lidar com essa multitarefa, que é a vida profissional da mulher que opta por ser mãe e ter um relacionamento conjugal. Então eu diria que maternidade me ajudou muito nessas múltiplas funções. Pela minha experiência foi importante ter essa consciência de que as multitarefas podem se adequar, podem se organizar e nos inspiram ao invés de atrapalhar no desempenho de nossa atividade profissional. Eu acho muito inspirador ser mãe, ter um relacionamento conjugal e trabalhar, e ser filha também. Meus pais, infelizmente, já faleceram, mas enquanto eles viveram fui uma filha muito participativa. Então eu acho que essas relações impulsionam nossa vida e nossa carreira.
Antissemitismo no Brasil
Vejo a situação como algo avassalador, que entristece profundamente a massividade como esse tema acaba pautando pessoas que pouco entendem do conflito em Gaza e das diferenças entre as diversas culturas e religiões. E essa forma de tratar o antissemitismo é um fenômeno das redes sociais. Nesse ambiente, muitos se colocam como autoridade no assunto em busca de um engajamento maior. E o que vemos é uma ignorância muito grande em relação à complexidade do conflito na região. E eu me lembro bem da época em que atuei na Secretaria (da Justiça) de como era tranquilo falar sobre o conflito no Oriente Médio, com a consciência de que essa questão não deveria ser importada para o Brasil. Isso era um denominador comum; as pessoas separavam as coisas, ainda que já tivessem alguma divergência com relação a algum encaminhamento de ordem política ou militar por parte de Israel, ou qualquer outro ator regional. Mas não se importava o conflito. Infelizmente, isso acabou. Hoje em dia tudo (o conflito) é totalmente importado, deformado, mal analisado. Eu vejo isso com muita preocupação e creio que nós, judeus da diáspora, nunca tivemos tanto protagonismo como estamos tendo agora, no sentido de hasbará, de explicação, de manifestação e de posicionamentos. Hoje somos protagonistas de coisas que não costumávamos ser alguns anos atrás.
Protagonismo das instituições
Nunca pensei que as nossas instituições comunitárias teriam que ser tão protagonistas como estão sendo agora. É algo inédito, nunca imaginamos que poderíamos ver além da representação dessas instituições uma vigilância ininterrupta. Vivemos quase que num estado de alerta. Então eu gostaria de deixar essa mensagem de agradecimento por ver uma atuação firme dessas instituições. Porque hoje, o que nós vivemos, é essa situação, com a sensação de estarmos entrincheirados, o tempo inteiro em alerta e com as nossas instituições comunitárias, que já eram relevantes, agora são protagonistas.