24.09.25 | Brasil
“Sem ética é muito difícil construir a sociedade que sonhamos”, diz Walter Feldman
Médico de formação e com grande atuação na política - foi presidente da Alesp, deputado federal por São Paulo, entre 2003 e 2019, e secretário-geral da Confederação Brasileira de Futebol, entre 2015 e 2021 –, Walter Feldman fala ao Histórias Reais da CONIB sobre sua trajetória e a importância do judaísmo em suas atividades. “Por quase 40 anos eu acompanhei a nossa coletividade e suas atividades, tanto festivas como de lutas. Isso tanto nas reivindicações como nos conflitos que havia em Israel, fazendo muitas vezes as ponderações e o diálogo com as comunidades árabes daqui do Brasil, sempre no ritmo e na cultura de paz”, diz ele sobre o período em que atuou na política. E deixa uma mensagem: “A questão ética me parece central. Sem ética é muito difícil construir a sociedade que nós sonhamos”. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Origem
Meu pai é de origem polonesa. Ele veio para o Brasil em 1936, já sentindo a aproximação do nazismo. Todos nós conhecemos o papel que teve a Polônia no início da guerra e na destruição da comunidade judaica naquele país o que, de certa forma, persiste até hoje, Minha mãe veio da Letônia, mas após a Primeira Guerra Mundial e eles se encontram aqui, no início dos anos de 1950. Eu nasci em 1954. Minha formação é muito judaica. Meu pai lecionou hebraico. Nós moramos por muitos anos no interior de São Paulo, na cidade de Itú.
Celebramos todas as festividades, todas as tradições, tanto pelos meus pais como também pelos pais deles. O meu avô por parte de pai era chazan nas sinagogas aqui de São Paulo. Meu avô materno trabalhou em escola judaica, era rabino. Então eu tenho uma tradição familiar de rabinos, que teve início na então União Soviética e depois meu avô se tornou o grão-rabino na Letônia. Inclusive eu o encontrei em Israel certa vez acompanhando o presidente da Letônia e ele sempre vinha ao Brasil como orientador do Lubavith (movimento judaico chassídico mundialmente reconhecido). E sempre que ele vinha ao Brasil nós nos encontrávamos e eu fazia todo um relato de minha atividade na comunidade judaica e na política e ele sempre, como todo grande rabino, me dava as orientações filosóficas, culturais e da nossa tradição.
Vida política e cultura de paz
Por quase 40 anos eu acompanhei a nossa coletividade e suas atividades, tanto festivas como de lutas. Isso tanto nas reivindicações como nos conflitos que havia em Israel, fazendo muitas vezes as ponderações e o diálogo com as comunidades árabes daqui do Brasil, sempre no ritmo e na cultura de paz, preservando o Brasil nos conflitos do Oriente Médio.
E eu criei aqui no estado no estado de São Paulo, como deputado estadual, o Conselho Estadual pela Cultura de Paz, que entrou no Caderno da Unesco como uma das grandes iniciativas parlamentares do mundo, em defesa das relações diplomáticas diante de conflitos sangrentos.
Quando fui à Brasília como deputado federal eu criei o Conselho Nacional pela Cultura de Paz, sempre tentado levar nos meus mandatos essa ideia de buscar o diálogo. Participei por muitos anos da Comissão de Relações Internacionais na Câmara Federal e de debates sobre conflitos internacionais, não apenas no Oriente Médio, mas também outros que envolviam a Rússia, a Ucrânia, a Armênia e o Azerbaijão. Ou seja, tudo o que era conflito e que poderia de alguma forma envolver o Brasil e exigir algum posicionamento eu sempre me manifestava em relação à cultura de paz.
E eu criei em São Paulo, no meu mandato como presidente da Assembleia Legislativa, o Conselho das Comunidades de Raízes e Culturas Estrangeiras, tornando a cidade uma espécie de ‘ONU estrutural’, ou seja, não há nenhuma outra cidade do mundo que tenha tantas comunidades organizadas e representantes de povos que para cá vieram por vários motivos, de ordem econômica, política e social. E hoje vejo que ainda existe o Conselho de Cultura de Paz e eu estou trabalhando para reativar o Conselho Nacional pela Cultura de Paz, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e eu diria que em todos os grandes momentos de conflitos nós estivemos presentes para dar a uma contribuição através do diálogo com as comunidades síria, libanesa e mesmo as representações palestinas de São Paulo, sempre mostrando a nossa disposição de transformar o Brasil num núcleo, onde as relações sociais, políticas e econômicas se preservavam, independentemente das diferenças.
Eu me lembro de momentos quase mágicos, como presidente da Assembleia, recebendo toda a comunidade, do convite que fiz à comunidade judaica para que visitasse o governador – o primeiro governador judeu -, função que mesmo de forma interina eu assumi em São Paulo. E nós fizemos uma grande festividade judaica na época do Mário Covas, mostrando as nossas tradições, nossa cultura, nossa gastronomia, nossas danças.
Holocausto e antissemitismo
Todos sabemos o que a Segunda Guerra significou para o mundo, para as sociedades e para os direitos individuais e coletivos, ou seja, a questão do Holocausto é um problema da humanidade e não só dos judeus. E o dia de homenagem às vítimas do Holocausto sempre foi um momento de grande congregação em todas as linhas políticas e ideológicas, compreendendo que nessa questão não há divisões, e nem poderia, porque não é um problema momentâneo que nos afasta dessa lógica, que é uma lógica muito mais profunda, da defesa permanente dos direitos individuais e coletivos e da preservação das tradições e da memória daquilo que nós sabemos que nunca mais deve se repetir.
Existe um conjunto fantástico de preconceitos na questão de gênero, de etnia, de religião e há uma tendência do ser humano de sempre ter algum tipo de preconceito. Eu diria que em momentos de graves crises o que esperamos dos estadistas é que eles nunca deem uma sinalização para uma população que às vezes não tem informação política e histórica adequada que a leve a caminhar para qualquer tipo de preconceito. E um dos grandes preconceitos da humanidade é o antissemitismo. E nós não podemos em hipótese alguma contribuir para que isso volte a ter os índices do passado, muitas vezes estimulado por governantes. A recomendação é conservar a excelente, extraordinária e reconhecida diplomacia internacional em relação a ser um país que sempre ajuda na resolução de conflitos.
Novos ciclos e futuro
Depois de sete mandatos, como vereador, deputado estadual e deputado federal em quase todas as funções (do estado, município, executivo e de representação), fui trabalhar na área do futebol, que eu imaginava ser um instrumento poderosíssimo de diplomacia internacional e de educação da população. Não fui lá para assistir jogos e nem para torcer para o meu time. Fui lá imaginando o futebol como um instrumento poderosíssimo de representação do Brasil lá fora e de como eu poderia dar a essa função uma dimensão mais educacional, mais social, mais integradora e mais de cultura de paz. E creio que cumpri esse papel durante seis anos em que lá fiquei e isso fez com que eu encerrasse de certa forma o meu ciclo político.
Hoje sou presidente de um tema que considero fundamental na transformação da pirâmide humana que é essa nova conquista de uma longevidade ativa e saudável para que a gente, após 60, 70, 80 anos ou mais, possamos ter uma vida social, politica e se possível econômica produtiva. Eu participo de uma empresa de saúde digital e do ponto de vista empresarial já atendemos milhões de pessoas do Brasil e agora estamos expandindo para outros países, como Colômbia, Chile, Canadá, Espanha e México. Na área de saúde, que é a minha área, estendemos o acesso à universalidade e, eventualmente, à gratuidade na área pública, melhorando as condições de vida e de saúde da população do Brasil e em qualquer lugar do mundo que aceite a tecnologia e os novos conhecimentos da Inteligência Artificial. E nessa fase da vida estou muito feliz, empolgado e animado e ainda com muitas tarefas a cumprir.
Preconceito
Nunca sofri qualquer manifestação antissemita. Eu nunca neguei a minha origem e nunca deixei de me manifestar positivamente a favor de nossa comunidade, mas nunca enfrentei qualquer manifestação de preconceito, nem mesmo de parte de segmentos teoricamente adversários em alguns momentos, e mesmo a comunidade árabe e palestina sempre me viram como um democrata. Então eu nunca tive na minha vida, seja de forma aberta ou velada, nenhuma manifestação antissemita. E eu digo isso com muita alegria. O único momento mais forte foi durante o conflito entre Israel e Líbano, quando eu era deputado federal. Houve um momento tenso com manifestações de parlamentares de origem libanesa em Brasília, mas eu sempre mantive com eles um diálogo muito forte e nunca permiti que um conflito no Oriente Médio fosse importado para cá. Eu diria que a ponderação e o diálogo impediram que importássemos esse conflito para cá.
Mensagem
A questão ética me parece central. Sem ética é muito difícil construir a sociedade que nós sonhamos. Trabalhar corretamente, manter seus valores e nunca se desviar das suas origens é o caminho.