26.09.25 | Mundo

“A ilusão do Estado palestino”

Editorial de O Estado de S.Paulo publicado nesta sexta (26) comenta a decisão de países de reconhecer o estado palestino e adverte que “reconhecer um Estado sem construir as condições para sua existência apenas multiplica frustrações, fortalece os radicais, fragiliza os moderados e torna a paz ainda mais distante”. Leia a seguir a íntegra do texto:

O reconhecimento de um Estado palestino por países ocidentais tornou-se um gesto recorrente em meio ao impasse prolongado do conflito israelo-palestino. Espanha, Irlanda, Noruega, Portugal, Canadá, Austrália, Reino Unido e França juntam-se a mais de uma centena de nações que adotam tal posição. Em teoria, é um ato de justiça histórica e pressão diplomática sobre Israel. Na prática, é um exercício de exibicionismo moral, na melhor das hipóteses inócuo; na pior – e mais provável –, é contraproducente.

A posição deste jornal é inequívoca: a criação de um Estado palestino é questão de justiça e condição indispensável para uma paz duradoura. Mas um Estado não nasce de resoluções parlamentares nem de pronunciamentos presidenciais. Ele requer instituições legítimas, reconhecimento mútuo e fronteiras negociadas. Nenhum desses requisitos está presente hoje. O reconhecimento prematuro, sem condições e garantias, não aproxima tais requisitos – ao contrário, tende a afastá-los.

A História mostra que Israel nem sempre foi intransigente. Em 1947, aceitou a partilha aprovada pela ONU, rejeitada pela liderança árabe. Em 1967, ouviu da Liga Árabe os “três nãos” – não à paz, não ao reconhecimento de Israel e não às negociações –, política que oficialmente vigora até hoje. Nos anos 1990, assinou acordos de paz, enquanto os terroristas do Hamas ganhavam força e, depois, tomaram o poder. Em 2000, propostas de grande alcance sobre fronteiras e Jerusalém foram rejeitadas por Yasser Arafat, e Camp David fracassou. Em 2008, Mahmoud Abbas não aceitou a oferta de Ehud Olmert, que abrangia quase toda a Cisjordânia.

Nada disso absolve Israel de seus erros e delitos. A expansão incessante de assentamentos, a conduta militar desproporcional em Gaza, a erosão da legitimidade democrática sob Binyamin Netanyahu e a ausência de um plano político crível minam a posição do país e alimentam seu isolamento. Mas culpar exclusivamente Israel é tão simplista quanto injusto. O fracasso palestino em construir uma autoridade legítima e eficaz, a corrupção da Autoridade Palestina e a dominação armada do Hamas em Gaza são obstáculos objetivos à formação de um Estado viável.

Um reconhecimento que ignore esses fatores não ajuda moderados palestinos nem pressiona Israel a negociar. Pelo contrário: reforça a ilusão de que a soberania pode ser concedida de fora, sem reformas internas e sem a obliteração da máquina de guerra do Hamas. Também oferece munição à paranoia dos radicais israelenses que insistem que o mundo está disposto a recompensar o extremismo islamista.

Em vez de proclamações vazias, as democracias ocidentais deveriam vincular qualquer avanço diplomático ao cumprimento de condições concretas: desarmamento de milícias em Gaza, reconstrução institucional da Autoridade Palestina com mecanismos de transparência e legitimidade eleitoral, e compromissos claros dos países árabes de reconhecer Israel e cooperar em segurança. O apoio financeiro e político deveria ser condicionado a esses marcos, de forma verificável.

Em paralelo, é vital que Israel formule um plano político pós-guerra que articule sua disposição a aceitar um Estado palestino quando tais condições forem atendidas. Somente a combinação de pressões externas racionais e transformações internas – dos dois lados – pode pavimentar o caminho para a paz.

Reconhecer o Estado palestino hoje pode apaziguar consciências em capitais europeias, mas não alimenta ninguém em Gaza, não regenera a Autoridade Palestina e não neutraliza o Hamas. Pelo contrário, cristaliza um simulacro de soberania que perpetua a ilusão e adia a solução. Estados não nascem de votos no Parlamento, mas de realidades no terreno.

A existência de um Estado palestino é uma questão de justiça para os palestinos e condição para a segurança de Israel, a manutenção de sua democracia e a paz no Oriente Médio. Mas a ordem dos fatores altera o produto. O reconhecimento desse Estado deveria ser o último tijolo de uma construção política. Lançar mão dele agora é trocar realismo diplomático por teatralidade moral. E cada gesto desse tipo torna o Estado palestino mais distante, não mais próximo.


Receba nossas notícias

Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Por favor, preencha este campo.
Invalid Input

O conteúdo dos textos aqui publicados não necessariamente refletem a opinião da CONIB. 

Desenvolvido por CAMEJO Estratégias em Comunicação