30.09.25 | Notícias
“Diplomacia e terror”
Em artigo publicado nesta terça (30) em O Estado de S.Paulo, Sofia Débora Levy, representante para a Memória do Holocausto do Congresso Judaico Latino-Americano, aborda a votação da Assembleia-Geral da ONU no último dia 12 e questiona: “Por que não dar limites às provocações violentas e intolerantes promovidas por grupos terroristas e seus apoiadores extremistas?” Leia a seguir a íntegra do texto:
A votação da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 12 de setembro, que trata da solução de dois Estados não contempla o Estado judeu e nos leva a questionar: por que não dar limites às provocações violentas e intolerantes promovidas por grupos terroristas e seus apoiadores extremistas? Depois do Holocausto, do alerta de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, das denúncias de desumanização e genocídios motivados por conflitos étnicos e religiosos em diversos países, o parâmetro de preservação da vida ainda deveria nortear as respostas de indignação. No entanto, apesar desses e outros eventos bárbaros, assistimos à naturalização da veiculação de manifestações violentas, com slogans de defesas parciais, sem ponderação sobre as partes envolvidas nos conflitos. Isso se agravou em torno de um evento focalizado pela mídia internacional: o ataque do Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro de 2023.
As consequências desse ataque terrorista de grandes proporções, o maior desde a fundação do Estado de Israel em 1948, com 1.200 mortos e 251 sequestrados em apenas um dia, seguem em curso — desde a resposta de guerra de defesa por parte de Israel, que busca resgatar os reféns que ainda se encontram nas mãos do Hamas, até a onda de antissemitismo em diversas localidades do mundo.
No modus operandi terrorista, judeus são tomados, de antemão, como culpados por ações de Israel e pela guerra na Faixa de Gaza. Bandeiras em prol da libertação da Palestina são empunhadas sob os slogans em defesa apenas de árabes palestinos, sem consideração alguma pelas vítimas do lado israelense e, mais além, sem considerar a existência do Estado de Israel. Em 1947, as Nações Unidas votaram pela divisão territorial da região, então Protetorado britânico, para a criação de dois Estados, Israel e Palestina. Entretanto, a negativa por parte de países árabes, que já vinha desde o século 19, atravessa décadas e desemboca nessas manifestações antissionistas, contrárias à existência do Estado judeu.
Nesse meio tempo, foram feitos vários acordos com reconhecimentos de legitimação entre nações vizinhas — mas, até agora, isso não foi o suficiente para se chegar ao mútuo reconhecimento dos dois Estados propostos há quase 80 anos. A cientista política israelense Einat Wilf enfatiza que a recente votação nas Nações Unidas, com 142 países a favor, inclusive o Brasil, da criação do Estado Palestino, não garante a manutenção da existência do Estado de Israel. Mesmo que condicionada ao Hamas fora do poder, ao fim da guerra Israel x Hamas e à liberação dos reféns, os líderes palestinos seguem sem reconhecer a legitimidade da existência do Estado de Israel e propagando o antissionismo. Na prática, a prerrogativa do direito de retorno de milhões de árabes palestinos a contar de 1948, sustentada pela ONU e defendida por esses líderes como inegociável, levaria à criação, de fato, de um Estado árabe na Faixa de Gaza e Cisjordânia, sem judeus; e outro Estado árabe com uma minoria judaica no atual Estado de Israel — inviabilizando sua existência.
Sem acordos claros, as tratativas diplomáticas para a paz entre palestinos e israelenses vêm sendo cada vez mais atropeladas por apelos populares regados a terrorismo, desconsiderando uma longa história de disputas ao longo de séculos. Isso nos coloca frente a uma configuração social bárbara, com censuras, cancelamentos, ameaças, atemorizando indivíduos e grupos judaicos e de outras culturas e religiões também. Uma problemática que parecia localizada no Oriente Médio tomou proporções amplas, contra pessoas, templos religiosos e instituições culturais como alvos de uma ameaça que, rapidamente, se aproxima, gerando insegurança de poder vir a ser atacado em qualquer lugar do planeta, sem que haja reprimendas à altura.
Precisamos nos perguntar: o que falta para retomarmos os limites éticos de convivência e sairmos do patamar da luta pela sobrevivência com risco de morte? Por que deixar a diplomacia ser substituída por pressões terroristas como meio de negociação? Onde estão os avanços sociais e políticos no século 21, em plena era da conectividade digital? Mais uma vez a história vai se repetir em seu mais escuro eclipse, ou ainda podemos reverter e retomar a organização social com diálogos e respeito às diferenças? Até lá, o valor da vida como referência está em jogo.
Sofia Débora Levy. representante para a Memória do Holocausto do Congresso Judaico Latino-Americano, é membro do Conselho de Educação da StandWithUs Brasil.