30.09.25 | Mundo
“A Inversão de Narrativas e a Consequência do 7 de outubro”
Artigo de Renato Athias - Doutor em Antropologia pela Universidade de Paris Nanterre e professor no Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco – analisa a polêmica decisão de alguns países de reconhecer o estado palestino e suas consequências. Leia o texto a seguir:
Nos últimos dias, a decisão de Estados como Canadá, Austrália e Grã-Bretanha de reconhecer um Estado Palestino gerou uma onda de críticas, especialmente de Israel, que considera essa medida uma resposta inadequada aos eventos recentes.
Para muitos na comunidade judaica, como disse uma amiga canadense, o reconhecimento por parte do Canadá é particularmente surpreendente. Isso se deve a uma suposta declaração anterior do primeiro-ministro canadense de que o reconhecimento só ocorreria sob condições específicas — como a libertação de reféns, a dissolução do Hamas e a realização de novas eleições na Autoridade Palestina. Como nenhuma dessas condições foi cumprida, a decisão é vista como uma ruptura com a histórica linha de apoio do Partido Liberal a Israel.
A Autoridade Palestina, como vários articulistas têm notado, por sua vez, nunca manifestou um desejo claro de coexistir pacificamente com Israel. O apoio internacional a essa liderança, apesar de promessas de reformas nunca cumpridas, é visto como um obstáculo à paz. A concessão de um Estado, sem o reconhecimento mútuo, poderia aprofundar as tensões, em vez de resolvê-las. Para que um Estado palestino seja viável, é essencial que os palestinos reconheçam e respeitem a existência de Israel, algo que, segundo a minha perspectiva, não ocorreu ainda, e não se sabe se ocorrerá.
Após o ataque de 7 de outubro, a pressão por um Estado palestino tem sido cada vez mais apresentada, não como uma recompensa ao terrorismo, mas como um ato de "justiça compensatória". Nessa narrativa, Gaza é retratada como a vítima final, merecedora de um Estado precisamente por causa do ataque, e não apesar dele. Essa inversão é vista como um sucesso da "guerra de percepções" que transformou o massacre do Hamas em um "crime" da existência de Israel, usando o sofrimento dos judeus para justificar o fortalecimento de seus agressores.
Seja dito, que o ataque do HAMAS, com sua violência brutal e midiática, não pode ser considerado "resistência". O grupo, que já era uma autoridade governante, usou a violência mais hedionda possível, filmando e compartilhando as atrocidades para causar terror. O sequestro de civis e a preparação de uma guerra subterrânea são descritos como uma "armadilha", uma provocação calculada para forçar a intervenção de Israel.
A visão de "resistência" do Hamas é descrita como uma distorção perversa do conceito de desobediência civil, que busca corromper a percepção de justiça. Voar de parapente para assassinar crianças na frente de seus pais não é "resistência"; é uma atrocidade. Chamar tal ato de resistência é uma "mutilação" do conceito de protesto pacífico.
Na realidade, a inversão da narrativa não é resultado de uma análise cuidadosa, mas de uma campanha de propaganda que busca apagar o crime real do Hamas. A ideologia antissionista, que se infiltrou no discurso liberal, sugere que a existência de Israel é a verdadeira violência e a causa de todo o sofrimento.
Ao que parece, a solução para os palestinos não é uma compensação, mas uma retificação, ou seja, uma mudança fundamental de rumo em direção a um futuro que não seja aquele baseado na destruição de Israel. O 7 de outubro, com sua atrocidade histórica, trouxe ruína a Gaza. A resposta, portanto, não pode ser a concessão de um Estado que legitime tais ações. O objetivo deve ser desmantelar o complexo antissionista que justifica crimes como esse, buscando um futuro em que a coexistência pacífica seja a única via.