01.10.25 | Mundo

“A hora da verdade para Gaza”

Em editorial publicado nesta quarta (1/10), o jornal O Estado de S.Paulo afirma que o plano de Trump é “o mais abrangente para superar a guerra, mas exigirá concessões e vontade política”. “Cabe ao Hamas provar que prioriza o bem-estar dos palestinos sobre seus delírios jihadistas”. Leia a seguir a íntegra do texto:

O plano do presidente americano Donald Trump para Gaza não é a solução definitiva para o conflito – longe disso –, mas, após dois anos de guerra, é o mais abrangente e concreto apresentado até agora. Mistura, com dureza pragmática, demandas práticas (cessar-fogo, troca de reféns, reconstrução) com um ultimato: se o Hamas recusar, priorizando seus delírios jihadistas em detrimento do bem-estar dos palestinos, Israel terá carta branca para “terminar o serviço”.

O roteiro prevê o cessar-fogo condicionado à devolução integral, em 72 horas, dos reféns israelenses em poder do Hamas, tendo como contrapartida a libertação, por Israel, de milhares de palestinos detidos. Prevê ainda o desarmamento do Hamas, a retirada do exército israelense, mantendo temporariamente um perímetro de segurança, a instalação de um comitê tecnocrático supervisionado por um “Conselho da Paz” internacional e a implantação de uma Força Internacional de Estabilização (ISF) com a participação de nações árabes, acompanhadas por um plano de reconstrução e incentivos econômicos. A promessa pública de não expulsar os palestinos e a oferta de zonas econômicas distinguem esse pacote de propostas anteriores.

Há razões concretas para levá-lo a sério. A sequência estabelecida – soltura dos reféns, desmilitarização, retirada e reconstrução – cria marcos verificáveis; o apoio declarado inédito de países árabes, dispostos inclusive a participar operacionalmente, fortalece a viabilidade; e a combinação de incentivos e pressão oferece alavancas que faltaram em acordos anteriores. Trump se colocou como fiador direto da implementação, assumindo custos para os EUA. Em suma: é uma janela de oportunidade real, não mera retórica.

Mas os obstáculos são igualmente palpáveis. A condição cardeal – que o Hamas entregue todos os reféns e se desarme – pode ser inaceitável para facções que veem as armas como sua essência e a destruição de Israel como objetivo de vida. A meta de 72 horas impõe desafios logísticos e de confiança ainda não resolvidos. A força de estabilização ainda está no papel; mandatos, contingentes e regras de engajamento precisam ser formalizados. A governança tecnocrática pode carecer de legitimidade popular e tornar-se alvo de resistência. E os extremistas que sustentam o governo do premiê Binyamin Netanyahu são uma evidente fonte de incerteza.

Mas convém reconhecer as concessões reais de Israel: libertar presos perigosos, anistiar os terroristas que se renderem, delegar parte da segurança a atores multilaterais, aceitar supervisão externa da reconstrução, renunciar à anexação de Gaza ou da Cisjordânia. Trump obrigou Netanyahu a pedir desculpas ao Catar por operações em seu território e a reconhecer – ainda que ambiguamente – a perspectiva de criação de um Estado palestino, condicionada a reformas verificáveis por parte da Autoridade Palestina.

Somando tudo, trata-se de um evidente passo adiante, que só não será reconhecido como tal por aqueles que se deixam levar pela antipatia por Trump e Netanyahu. A esse propósito, é espantoso que o Itamaraty ainda não tenha se pronunciado sobre o plano.

A hora da verdade exige empenho. Os interessados na paz – Estados árabes, Washington, União Europeia, mediadores regionais e lideranças palestinas moderadas – devem se engajar na cobrança enfática do desarmamento do Hamas e da entrega dos reféns, na constituição da Força Internacional de Estabilização e no financiamento da reconstrução de Gaza, assim como na reforma da Autoridade Palestina. Sem esses elementos, o plano continua um esboço.

Se esses compromissos forem assumidos e respeitados, abrir-se-á um caminho difícil mas real para cessar o calvário dos palestinos e começar a recuperar uma vida possível em Gaza. Se não, ficará claro quem – por fanatismo, política ou cinismo – preferiu a guerra à paz. A hora da verdade chegou: escolher a reconstrução – árdua, complexa e cheia de obstáculos – é aceitar correr riscos para, enfim, assentar as bases de um futuro melhor para os palestinos e para a região; escolher a recusa, pura e simples, é contratar uma tragédia ainda maior.


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