“Dois anos do 7 de Outubro: fracasso coletivo e falência da governança global” - Fundada em 1948, a CONIB – Confederação Israelita do Brasil é o órgão de representação e coordenação política da comunidade judaica brasileira.

07.10.25 | Mundo

“Dois anos do 7 de Outubro: fracasso coletivo e falência da governança global”

Em artigo na Folha de S.Paulo desta terça (7), Claudio Lottenberg, presidente da CONIB, advertiu que nenhuma solução imposta de fora, sem garantias de reconhecimento mútuo, poderá produzir estabilidade no Oriente Médio. Leia a seguir a íntegra do artigo:

O ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 deveria ter unido a comunidade internacional contra a barbárie. A brutalidade do massacre, a violência contra civis e a tomada de decisões com respostas rápidas e inequívocas. No entanto, prevaleceram a manipulação de narrativas, a relativização da violência e a instrumentalização política de uma tragédia que deveria mobilizar valores universais.

Dois anos depois, o balanço é amargo: a governança global mostrou-se incapaz de proteger a vida e de construir consensos mínimos. A ONU, já marcada pela paralisia, não apenas fracassou em mediar o conflito, como se tornou cúmplice de uma polarização que ignora princípios éticos e, em certos momentos, setores legítimos ligados ao terrorismo. É um fracasso não apenas diplomático, mas civilizatório.

A criação de um Estado palestino não pode ser fruto de uma imposição unilateral, mas de um processo coletivo de pacificação, com participação de Israel, palestinos e mediadores genuinamente comprometidos com a paz. O que preocupa, porém, é o patrocínio de países que desconsideram a influência de organizações terroristas que negam a existência do direito de Israel e pregam sua destruição. Nessas condições, não há terreno fértil para a paz. Nenhuma solução imposta de fora, sem garantias de reconhecimento mútuo, poderá produzir estabilidade.

A história demonstra que a exclusão gera ressentimento e violência. O Tratado de Versalhes, ao humilhar a Alemanha após a Primeira Guerra, não promoveu estabilidade, mas semeou o caminho da Segunda. O desmembramento da Hungria deixou cicatrizes políticas rigorosas. Repetir essa lógica no Oriente Médio é insistir em erros já conhecidos, agora com riscos potencialmente ainda maiores.

Não se pode ignorar, contudo, os equívocos de Israel. Seu direito à autodefesa é legítimo, mas algumas respostas militares enfraqueceram os apoios internacionais e alimentaram a espiral de violência. Em vez de fortalecer sua legitimidade, certas estratégias abriram espaço para narrativas distorcidas e para aqueles que desejam sua eliminação.

O Brasil poderia ter exercido papel histórico de mediação. Preferiu, no entanto, projetar-se como liderança do Sul Global, priorizando a retórica ideológica em detrimento do diálogo. Com isso, perdeu a substituição e a chance de protagonismo em um dos momentos mais críticos da política internacional recente.

Entre as consequências mais graves desse cenário está a escalada da intolerância, em especial do antissemitismo. Em várias regiões, preconceitos antigos reapareceram com força, legitimados por discursos políticos que se escondiam atrás da linguagem da justiça. A tragédia humana deixou de ser vista como drama universal e passou a ser utilizada como combustível para divisões ideológicas —um retrocesso civilizatório profundo.

Dois anos depois, o que se constata é um fracasso coletivo: não avançamos rumo à paz porque trocamos valores por narrativas; não promovemos a inclusão porque preferimos a exclusão; não alcançamos justiça porque optamos pela retórica, não pela construção de consensos.

A lição é clara: a história pune a arrogância ideológica e recompensa o caminho, difícil mas indispensável, do diálogo. Enquanto a comunidade internacional usa tragédias como instrumentos de poder, permanecemos presos a ciclos de violência e intolerância.

O mundo não precisa de novos muros —físicos, políticos ou ideológicos—, mas de pontes. Precisa recuperar o pluralismo, a capacidade de ouvir o outro e a coragem de enfrentar o extremismo sem relativizações. Só assim o 7 de Outubro poderá deixar de ser símbolo de fracasso da governança global para se tornar ponto de virada em direção à paz.


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