13.10.25 | Mundo

“Os homens querem a paz?”

Em artigo na Folha de S.Paulo, a advogada, escritora, dramaturga e diretora da CONIB Becky S. Korich cita Miguel de Unamuno, que, há cem anos, “descreveu com precisão a contradição essencial do homem moderno: buscamos aquilo que nos falta, mas não sabemos o que fazer quando finalmente o alcançamos”. “Essa contradição encontra eco hoje, com uma contundência perturbadora, diante da realidade do conflito entre Israel e Hamas e na reação do mundo (ou ausência dela) diante da perspectiva de paz. Era de se esperar que a aprovação do plano proposto pelo presidente Donald Trump, que visa uma transformação política no enclave de Gaza —e consequentemente o fim de todo o sofrimento—, fosse recebida com entusiasmo, no mínimo com alívio, por aqueles que pareciam tão desesperados para encerrar o capítulo mais destrutivo da região”. Leia a seguir a íntegra do texto:

"Os homens buscam a paz, diz-se. Mas será isso verdade? É como quando se diz que os homens buscam a liberdade. Não, os homens buscam a paz em tempo de guerra e a guerra em tempo de paz; buscam a liberdade quando sujeitos à tirania e buscam a tirania quando vivem a liberdade" —Miguel de Unamuno, "A Agonia do Cristianismo" (1925).

Há cem anos, Miguel de Unamuno descreveu com precisão a contradição essencial do homem moderno: buscamos aquilo que nos falta, mas não sabemos o que fazer quando finalmente o alcançamos. Essa contradição encontra eco hoje, com uma contundência perturbadora, diante da realidade do conflito entre Israel e Hamas e na reação do mundo (ou ausência dela) diante da perspectiva de paz.

Era de se esperar que a aprovação do plano proposto pelo presidente Donald Trump, que visa uma transformação política no enclave de Gaza —e consequentemente o fim de todo o sofrimento—, fosse recebida com entusiasmo, no mínimo com alívio, por aqueles que pareciam tão desesperados para encerrar o capítulo mais destrutivo da região.

No entanto, quando a trégua finalmente deu sinais de se firmar, quando, por um instante, a guerra deu lugar à possibilidade de paz, essas vozes se silenciaram. Só as populações de Gaza e de Israel, exaustas, celebraram o alívio de uma esperança de paz.

Os autoproclamados ativistas da paz no Ocidente, que antes se manifestavam em marchas, incitavam boicotes e promoviam campanhas exigindo cessar-fogo, se recolheram. Não viram nessa trégua algo digno de mobilização ou celebração.

O desacato, desta vez, não foi à violência, mas à paz. Os homens querem a paz, mas temem o vazio que ela traz: a paz exige o enfrentamento silencioso de nós mesmos. A guerra, ao contrário, "preenche": organiza o caos interno projetando-o sobre o outro, inventa sentido, cria narrativas, dá uma sensação de identidade, propósito e superioridade moral.

Esse é um dos sintomas mais graves do nosso tempo: o fracasso moral e a preguiça mental de compreender a complexidade dos conflitos externos. Mais cômodo ficar nos cartazes e slogans.

Ahmed Fouad Alkhatib, natural de Gaza, analista político e fundador do projeto Realign for Palestine, faz uma análise realista. Para ele, a frieza com que o Ocidente recebeu o cessar-fogo não é surpresa: "A falta de apoio de autoproclamados ativistas pela paz, do Ocidente, não é surpreendente. A falta de clareza, consistência ou pensamento sensato tem sido uma característica marcante do ativismo ocidental que diz se preocupar com o povo palestino em Gaza", afirma. "Pior ainda, tenho assistido à decadência da narrativa pró-Palestina na adoção generalizada das visões e posições do Hamas, a tal ponto que a organização fascista islâmica se legitimou como um verdadeiro movimento de 'resistência'... Digo isso como um palestino de Gaza que já fez parte da corrente principal pró-Palestina, e o apoio ao Hamas era de fato marginal."

As palavras de Alkhatib desmontam uma hipocrisia contemporânea: o discurso ocidental de compaixão seletiva, incapaz de celebrar a paz quando ela não vem acompanhada de indignação, quando ela não serve mais para condenar uma das partes.

"Não há consolo maior que o desconsolo, como não há esperança mais criadora que a dos desesperados." A filosofia de Unamuno talvez nunca tenha soado tão atual quanto agora.


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