20.10.25 | Brasil
“Outro futuro para as relações entre Brasil e Israel”
Em artigo no jornal O Estado de S.Paulo de domingo (19), Ruth Goldberg, presidente do Instituto Brasil-Israel, destaca a importância de o Brasil restabelecer o diálogo com Israel. “A boa relação e a visão comum de defesa da democracia, das liberdades, da soberania e do direito dos povos à sua autodeterminação, são aspirações comuns que nos aproximam. É importante também rever a decisão sobre a saída do Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA)”. Leia a seguir a íntegra do artigo:
O sonho de paz genuína e duradoura na região do Oriente Médio voltou a reacender no imaginário de muitos corações e mentes nestas últimas semanas. São diversos pontos que nos dão alguma tênue esperança: a soltura dos reféns israelenses sequestrados pelo grupo terrorista Hamas no dia 7 de Outubro de 2023, mantidos em cativeiro por dois anos; o retorno dos palestinos para as suas cidades de origem na Faixa de Gaza; o fim do ciclo de fome e violência; e o encontro de líderes globais e regionais em Sharm el Sheikh, no Egito, em apoio à construção do plano de cessar-fogo e futuramente, do plano de paz para a região.
Todos esses são sinais – até pouco tempo impensados – de que o pragmatismo prevaleceu e que o isolamento político e a retórica belicista não foram capazes de produzir avanços em direção à paz.
Um novo Oriente Médio e a criação de um Estado palestino que conviva lado a lado com o Estado de Israel em paz e segurança tem a chance (apesar de ainda incerta) de voltar à mesa de negociações. O caminho certamente não será fácil, mas o rearranjo de forças e poder na região e a influência e protagonismo dos Estados Unidos indicam um novo olhar possível para o futuro. Somado a isso, a força e a resiliência da sociedade civil israelense, bem como a defesa de valores democráticos, são igualmente relevantes para pavimentar este caminho. Foram dois anos de demonstrações incansáveis da população de Israel em busca de um futuro diferente e não mais da manutenção do conflito.
Este momento de mudanças pode ser uma oportunidade para que o Brasil contribua para a construção da paz no Oriente Médio e, tão importante quanto isso, estreite laços para melhorar o relacionamento entre o governo federal e os judeus brasileiros, abalado após o 7 de Outubro de 2023. Acreditamos que aprofundar o debate e valorizar o diálogo com judeus e judias é um caminho equilibrado e eficiente para construir pontes que fortaleçam as democracias brasileira e israelense e contemplem a diversidade judaica na diáspora.
O Brasil presidiu a reunião da ONU para a criação do Estado de Israel em 1947, manteve excelentes relações diplomáticas e comerciais com Israel ao longo dos anos, parcerias acadêmicas, culturais, além de ser apoiador histórico da solução de dois Estados. Ademais, há anos o País almeja assumir um papel de protagonista na construção de solução de paz entre israelenses e palestinos, assim como em outros conflitos internacionais. Como defensor da ordem democrática e da justiça social, acreditamos que o Brasil pode desempenhar um papel relevante neste cenário.
À luz dos recentes e promissores acontecimentos no Oriente Médio e na busca de uma reaproximação importante e desejada entre Brasil e Israel, entendemos que seja essencial que haja uma relação entre os dois Estados e que esses laços sejam maiores e mais profundos do que os estabelecidos entre chefes de governo.
Após o cessar-fogo na região, em viagem a Roma, o presidente Lula afirmou que não há problemas entre Brasil e Israel, mas com Benjamin Netanyahu. Divergências ideológicas fazem parte do jogo diplomático, assim como há inúmeros pontos de discordância entre o presidente do Brasil e outros atores do cenário global, com quem Lula aceita conversar e negociar.
Um passo essencial para mudar a rota atual seria a normalização das relações diplomáticas por meio da indicação de um embaixador do Brasil em Israel e do aceite de um embaixador israelense em nosso país. Para isso, tanto Israel quanto Brasil devem cooperar, revendo suas posições e reabrindo as portas da diplomacia. Restabelecer o diálogo, a boa relação e a visão comum de defesa da democracia, das liberdades, da soberania e do direito dos povos à sua autodeterminação, são aspirações comuns que nos aproximam.
É importante também rever a decisão sobre a saída do Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA). A revogação da participação brasileira, até então como membro observador, já foi anunciada, sob a justificativa de não concordar com a definição de antissemitismo dada pela IHRA – e também alegando que o Brasil juridicamente não estaria autorizado a pagar a taxa de participação, que é de 10 mil euros anuais.
No entanto, os objetivos da Aliança são muito mais amplos e propõem ações claras de combate ao antissemitismo e às formas de opressão a todos os grupos minorizados. No Brasil, em que casos de neonazismo têm crescido ao longo dos anos, por que deixar a IHRA, ainda mais sem propor novas ações de combate ao antissemitismo?
Este é um momento chave, que pode marcar uma virada no Oriente Médio. Na esteira de tantas oportunidades e do reforço da diplomacia como melhor opção, é importante que o Brasil se abra para ser não só um líder do chamado sul global, mas de iniciativas de paz, diálogo e coexistência.<
É tempo de novas esperanças, de recomeços e também de novas visões e atitudes.
Ruth Goldberg, mestre em Ciências pela Escola de Artes e Humanidades da USP, é presidente do Instituto Brasil-Israel