27.10.25 | Brasil
“Tributo a Herzog reaviva sentido de repulsa ao arbítrio”
Editorial da Folha de S.Paulo deste domingo (26) aborda os 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, e destaca que o ato em homenagem ao jornalista realizado no sábado (25) na catedral da Sé é também um alerta contra regimes autoritários. Leia a seguir a íntegra do texto:
Separados por 50 anos, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog e o ato realizado em sua homenagem neste sábado (25), em São Paulo, encontraram dois Brasis muito diferentes nos mais diversos aspectos, a começar do regime político. Em 1975, a ditadura militar; em 2025, a democracia consolidada.
E, mesmo assim, o tributo a Vlado, como Herzog era conhecido, não se limita ao caráter memorial. É inevitável que se converta também em alerta —pois, apesar de todos os horrores praticados deliberadamente pelo governo de exceção, ainda há no país quem defenda o autoritarismo e faça apologia da tortura.
Herzog sofreu com as duas facetas tenebrosas da ditadura. Ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), o então diretor da TV Cultura dirigiu-se de forma espontânea à sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna), o principal antro de repressão da época.
É uma praxe dos regimes de força: restringem-se os direitos civis como um todo, e as liberdades políticas em particular. No Brasil, grupos no campo da oposição, especialmente de esquerda, sofriam perseguições sistemáticas, com a censura e a prisão de seus quadros —mesmo no caso de uma organização contrária à luta armada, como o PCB.
O autoritarismo, além disso, despreza qualquer rito judicial que possa conter sua sanha persecutória. Vão às favas os escrúpulos e, com eles, os direitos humanos. Tomam seu lugar o arbítrio e a violência contra qualquer um que seja visto como inimigo.
Dentro da lógica primitiva de uma ditadura militar, todo crítico do regime é um inimigo. Vlado combatia o governo de exceção.
O desfecho desse silogismo se deu em 25 de outubro de 1975, quando o DOI-Codi submeteu Herzog a sessões de tortura que provocaram sua morte. Coroando a própria infâmia, a repressão apresentou o caso como suicídio.
O episódio ensejou diversas contestações públicas, e uma delas tomou a forma de missa ecumênica na Catedral da Sé, no centro da capital paulista. O arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor presbiteriano Jaime Wright celebraram uma das cerimônias mais marcantes da época.
Cinco décadas depois, o atual arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, o rabino Uri Lam, da Congregação Israelita Beth-El, e a pastora presbiteriana Anita Wright, filha de Jaime, recriaram o ato inter-religioso e seu sentido de repulsa ao arbítrio. Sem a mesma premência de então, mas nem por isso menos necessário.