27.10.25 | Mundo
“O Hamas e a herança de Goebbels”
Em artigo em O Globo deste domingo (26), a jornalista Nira Worcman compara a arma de propaganda do grupo terrorista Hamas à máquina de mentiras do ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Lei a íntegra do texto a seguir:
Com o cessar-fogo da guerra em Gaza, começa também o colapso de uma das armas mais poderosas do grupo terrorista Hamas: sua propaganda. Assim como a máquina de mentiras de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, só foi desmascarada com o fim do Holocausto, a narrativa construída pelo Hamas tende agora a se enfraquecer, à medida que os fatos emergirem e as manipulações vierem à tona. A História mostra que nenhuma guerra de informação resiste indefinidamente à verdade.
Sob comando de Goebbels, a Alemanha nazista transformou a comunicação em arma de destruição moral. Rádio, cinema e jornais deixaram de informar para servir a uma ideologia que desumanizava judeus, legitimava a guerra e naturalizava o extermínio dos que não eram da raça pura ariana. Menos de um século depois, as táticas criadas por Goebbels ressurgiram, adaptadas. O Hamas compreendeu que vencer no campo simbólico é tão importante quanto no militar. Sua força está na guerra das imagens, na manipulação emocional e na habilidade de explorar a imprensa mundial. Ele sabe que quem controla a narrativa controla a percepção da verdade. Até hoje, mesmo depois de provado que crianças esqueléticas de Gaza tinham doenças genéticas, veículos jornalísticos no mundo inteiro, inclusive no Brasil, continuam a usar suas imagens como símbolo da fome.
A lógica é simples e eficaz. Cada edificação destruída por Israel — muitas vezes usada pelo próprio Hamas como base militar, sejam escolas, hospitais ou mesquitas — é exibida como prova de genocídio. Pouco espaço é dado a vozes que contestam essa narrativa, como John Spencer, chefe de Estudos de Guerra Urbana de West Point. Segundo ele, genocídio pressupõe intenção de extermínio, o que não ocorre nas operações israelenses, conduzidas sob o Direito Internacional. Israel ataca o Hamas, não o povo palestino. Em combates urbanos, diz Spencer, a média histórica é de nove civis mortos por militante; em Gaza, cerca de 1,5 — índice raro em meio ao caos da guerra. Ainda assim, cada civil morto — muitas vezes usado como escudo pelo grupo terrorista — foi transformado em mártir. A imprensa, ao reproduzir versões sem contexto, tomou o lado do terror.
Há, claro, diferenças fundamentais entre o regime nazista e o Hamas. Goebbels operava dentro de um Estado totalitário, com controle absoluto sobre os meios de comunicação. O Hamas, apesar de Gaza não ser um Estado, controla as informações que de lá saem — e explora a liberdade da imprensa internacional e a lógica emocional das redes sociais. Não domina a mídia global — a manipula. De acordo com revelações do Meir Amit Intelligence and Terrorism Information Center, o Hamas dirige e supervisiona a cobertura da Al Jazeera — emissora estatal do Catar — em Gaza, determinando pautas e o que pode ser transmitido. As investigações revelam jornalistas da Al Jazeera em Gaza vinculados à estrutura militar do Hamas. Trata-se de um caso em que o jornalismo deixa de informar para servir a uma causa, não apenas editorialmente. O impacto é profundo: uma rede de alcance global, apresentada como independente, converte-se em braço da máquina de propaganda e molda a percepção internacional.
A consequência é que parte significativa da opinião pública mundial se tornou porta-voz do Hamas. A tragédia humanitária em Gaza é real, mas o enquadramento — quem é vítima e quem é agressor — tem sido distorcido pela propaganda enganosa. O resultado é uma inversão moral: o grupo que pratica terrorismo ganhou a simpatia das ruas, enquanto Israel, ao se defender, é acusado de crimes contra a humanidade. Ambos, Hamas e Goebbels, compreenderam a importância da narrativa no campo de batalha, transformando a mentira em arma.
Mais do que nunca, o jornalismo, o público e governos, incluindo o brasileiro, precisam aprender a reconhecer esse jogo. Não se trata de negar a dor dos palestinos, mas de recusar o uso político dessa dor para legitimar o terror. Com o cessar-fogo, a verdade começará a emergir — e a névoa da propaganda dará lugar à luz incômoda dos fatos.
Nira Worcman, jornalista, é diretora associada da Art Presse e autora do livro “Enxugando gelo” (2025 — edição hors commerce), sobre a cobertura midiática da guerra entre Israel e grupos terroristas.