17.11.25 | Brasil
“Decodificar o antissemitismo é proteger a democracia”
Em artigo publicado em O Globo no último dia 15, o secretário da CONIB, Rony Vainzof, afirma que “as novas expressões de ódio prosperam em ambientes onde o antissionismo se confunde com justiça social e a demonização de Israel se mascara de solidariedade”. “É a moralização seletiva da identidade judaica. Os “bons” judeus seriam os que negam Israel; os demais, tratados como inimigos morais. Por trás da retórica, permanece a mesma lógica de sempre: a desumanização dos judeus e a negação de seu direito a existir”. Leia a seguir a íntegra do texto:
Eles saíram das sombras. O ódio aos judeus, antes restrito a piadas veladas e fóruns obscuros, agora circula com naturalidade em redes sociais, universidades e até espaços políticos. Críticas que poderiam ser legítimas se transformam em retórica indevida, travestindo o ódio de debate político.
Desde o início da guerra deflagrada pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, a Confederação Israelita do Brasil identificou mais de 222 mil menções antissemitas na internet brasileira, com alcance potencial superior a 126 milhões de pessoas. Em seu canal de denúncias, registrou mais de 2.300 casos — média de quase seis por dia. Cada número representa não apenas um ataque, mas um sintoma da degradação do debate público e do enfraquecimento da convivência civilizada.
Entre as expressões mais perigosas está o antissionismo, que se apresenta como crítica política, mas com frequência nega o direito à autodeterminação ao povo judeu e a existência de Israel. É justamente o que a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês) muito bem diferencia como manifestação antissemita. Criticar políticas do governo de Israel é legítimo; negar o direito de Israel existir, não.
Essa versão contemporânea do antissemitismo também se alimenta de antigas e novas narrativas indevidas. Uma das mais nocivas é a inversão do Holocausto, que transforma vítimas históricas do genocídio nazista em algozes. Essa distorção grotesca banaliza a memória das vítimas e instrumentaliza o Holocausto como arma retórica para atacar Israel e, por extensão, os judeus. A equação “Israel = nazismo” não é crítica política, é negação histórica.
Outra narrativa indevida igualmente perigosa é a responsabilização coletiva, que atribui a todos os judeus do mundo as ações do governo israelense. Essa narrativa converte qualquer judeu, de qualquer nacionalidade, em alvo potencial de hostilidade, como se fosse representante de um Estado. Trata-se da atualização sofisticada de um preconceito ancestral, o da culpa coletiva.
As novas expressões de ódio prosperam em ambientes onde o antissionismo se confunde com justiça social e a demonização de Israel se mascara de solidariedade. É a moralização seletiva da identidade judaica. Os “bons” judeus seriam os que negam Israel; os demais, tratados como inimigos morais. Por trás da retórica, permanece a mesma lógica de sempre: a desumanização dos judeus e a negação de seu direito a existir.
O resultado é concreto: judeus brasileiros com receio de usar símbolos religiosos, evitando mencionar Israel ou expressar sua identidade por medo de hostilidade. Isso não é apenas um problema comunitário — é uma ameaça direta à liberdade de expressão e à própria saúde da democracia.
Para enfrentar esse cenário, é necessário decodificar o antissemitismo para desarmá-lo. Tornar visível o que se disfarça. A educação e o mapeamento das narrativas são instrumentos tão poderosos quanto as sanções legais e indispensáveis à construção de um espaço público saudável.
O antissemitismo nunca desapareceu — apenas trocou de roupa. Hoje, se apresenta com nova linguagem, tom acadêmico e moralidade aparente. Mas, por trás da retórica, opera o mesmo mecanismo de desumanização dos judeus e negação de sua autodeterminação.
O antissemitismo é o laboratório do ódio. Onde ele prospera, a democracia adoece. As lições do Holocausto continuam urgentes, e o primeiro passo para não repeti-las é reconhecer quando a história é invertida, com terroristas relativizados e vítimas atacadas por seu direito de defesa e de existir.
Combater o antissemitismo hoje é mais do que defender uma comunidade. É proteger o direito à verdade, à memória e à convivência democrática — valores que, uma vez corroídos, dificilmente se reconstroem.
Rony Vainzof é secretário da Confederação Israelita do Brasil e sócio do VLK Advogados