17.11.25 | Cultura

“Julgamento de Israel é mais severo do que o de outros países, diz autor de livro sobre antissemitismo”

Em entrevista a Paulo Celso Pereira, publicada no jornal O Globo desta segunda-feira (17), Gustavo Binenbojm fala sobre seu livro "Antissemitismo estrutural", que tem lançamento marcado para o próximo dia 24 na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, no RJ (av. Afrânio de Melo Franco, 290, 2º piso, Leblon). “O antissemitismo é uma hostilidade antiga, baseada em preconceitos em estereótipos e algumas teorias conspiratórias, que está na prateleira de maldades da Humanidade. E que é utilizado sempre que há necessidade de se encontrar culpados para determinados fatos e circunstâncias que são multifatoriais, complexas, causadas por diversos agentes”, diz ele. Segue a íntegra da entrevista:

O senhor faz um paralelo com o racismo estrutural. Quais são na sua opinião as semelhanças e as diferenças?

Não se trata de uma comparação dos fenômenos em termos de gravidade, nem o grau de crueldade do racismo contra negros e indígenas. O que me parece muito claro é que esses fenômenos são igualmente estruturais naquilo que eles constituem uma espécie de imaginário coletivo. O antissemitismo é uma hostilidade antiga, baseada em preconceitos em estereótipos e algumas teorias conspiratórias, que está na prateleira de maldades da Humanidade. E que é utilizado sempre que há necessidade de se encontrar culpados para determinados fatos e circunstâncias que são multifatoriais, complexas, causadas por diversos agentes.

E por que decidiu escrevê-lo agora?

O livro é decorrente de uma necessidade de entender como esse fenômeno perdurou durante tanto tempo e por que ele renasceu com tanta força neste período do conflito do Oriente Médio. A noção mais antiga do antissemitismo é a do antissemitismo religioso. A partir do século XIX, surge o antissemitismo racialista. O que acontece mais recentemente é que o Estado de Israel, surgido em 1948, torna-se uma potência regional e o vírus do antissemitismo ganhou contornos de um discurso novo. O grande apelo do nosso tempo é o apelo pela universalidade dos direitos humanos, e não à toa Israel é o campeão mundial de denúncias na Corte Internacional de Haia por violações a direitos humanos, violações que muitas vezes são consideradas até menores diante do que fazem outros países. O país foi vítima de um ataque terrorista gravíssimo e imediatamente após a reação, Israel começa a ser violentamente atacado. O que se testemunha é uma espécie de retomada de velhos preconceitos, de velhos estereótipos, de velhas teorias conspiratórias.

O senhor critica no livro o uso do termo “genocídio” em relação ao que ocorreu em Gaza. No entanto, a Comissão de Direitos Humanos da ONU qualificou como genocídio o que está acontecendo baseado em quatro fatos, entre eles se provocar deliberadamente condições de vida calculadas a causar a destruição de um povo. O senhor diverge desse entendimento?

Acho que houve exageros de Israel, a questão da proporcionalidade sobretudo ao longo do tempo é questionável, mas não me parece que haja uma caracterização clara de uma finalidade última que fosse o extermínio. E basta você analisar a postura da Comissão de Direitos Humanos da ONU em relação a outros países que são violadores contumazes de direitos humanos para você verificar que é utilizado contra o Estado de Israel um duplo critério, não-isonômico. Isso não significa que a política externa do Benjamin Netanyahu não possa ser criticada. O que me parece que está havendo é uma transferência dessa responsabilidade política dos governantes para o povo israelense e os judeus em diáspora. O julgamento das redes sociais e o sobretudo da imprensa de um determinado viés ideológico é muito mais severo em relação a Israel do que a outros países violadores de direitos humanos.

Até hoje grande parte das críticas ao sionismo estão relacionadas à expulsão de palestinos daquele território que se tornou o Estado de Israel. No entanto, o senhor sustenta que quase sempre o antissionissmo é antissemita. Por quê?

As duas principais características do antissionismo que é antissemita são uma malversação dolosa ou culposa dos fatos e o padrão duplo. Um exemplo é quando dizem que Israel é uma hipótese única de criação de um Estado nacional no Oriente Médio. Era incrivelmente comum naquele período histórico, do pós-colonialismo europeu no Norte da África e no Oriente Médio, serem criados Estados nacionais como soluções pragmáticas para atender o direito de autodeterminação daqueles povos. Outro exemplo ocorre nos ataques à ação recente de Israel. Quando há uma reação violenta da França ou dos Estados Unidos ao terrorismo, em nenhum momento as críticas a eles questionam a própria legitimidade da existência do Estado. Mas imediatamente quando se chega ao conflito de Israel contra o Hamas a primeira coisa que se fala é “aliás, eles ocuparam indevidamente aquele território, criaram uma diáspora Palestina”. Se transforma uma hostilidade inconsciente num julgamento mais severo pra condenar. E a elite brasileira e de outros países tende a ser mais leniente com o antissemitismo do que com outras formas de discriminação de minorias.

O senhor vê essa leniência maior à esquerda ou à direita?

Nesse ponto, o antissemitismo é plural. A direita europeia até hoje é muito antissemita. Mas a partir da Guerra dos Seis Dias, em 1967, a União Soviética também passou a professar esse credo. Dali pra frente surge um sinal amarelo de que Israel era um aliado preferencial dos Estados Unidos, e seria um braço do imperialismo norte-americano no Oriente Médio. A União Soviética cria inclusive nas suas universidades cátedras para demonstrar que o sionismo em si era uma forma de racismo, uma narrativa que até hoje seduz boa parte da esquerda. Há uma elite intelectual que adota uma narrativa de que a própria criação do Estado de Israel foi produto de um movimento colonialista. É incrível como essa narrativa é aderente ao meio universitário norte-americano e brasileiro — europeu então, nem se fala. É um fenômeno de antiamericanismo que se transmuta num antissemitismo.

O senhor vê práticas antissemitas no governo do presidente Lula?

Especificamente sobre o governo atual, acredito que ele comete antissemitismo por duplos padrões algumas vezes, como quando decide, sem nenhuma motivação republicana, a retirada do Brasil da Aliança Internacional pela Memória do Holocausto. Além disso, é muito ruim quando o presidente da República, ao trazer os brasileiros de origem Palestina e israelense que estavam na região do conflito, só vai receber os palestinos.


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